Por Carlos Monteiro
Há oitenta anos, aquele menino Zunga do Cachoeiro vinha ao mundo por Lady Laura, nas batidas do relógio de seu querido velho amigo Robertino. Nascia Roberto Carlos Braga, abrolhava, aos seis, a majestade nas aulas de piano e violino, inicialmente ministradas por sua mãe e completadas no Conservatório Musical de Cachoeiro do Itapemirim. Exatos nove anos depois, se apresentava na Rádio Cachoeiro; o cachê? Um punhado de balas. Fez tanto sucesso, cantando o bolerão “Amor y más amor”, que passou a ser atração permanente aos domingos. Roberto adorava imitar Bob Nelson. Um cantor brasileiro, usando um figurino de John Wayne, cantando country em ‘Flor do Lácio’.
Saiu do Cachoeiro, veio para o Rio de Janeiro, era para voltar. Não voltou. Pensou que seu cachorro podia lhe sorrir latindo. O sucesso o fez ficar. De datilógrafo do Ministério da Fazenda e da Rádio MEC, decolou com Os Sputnicks, em que um dos membros era o Síndico da Turma da Matoso, Praça da Bandeira e os fins de semana com caldo de cana. No Bar Divino tudo era maravilhoso. Sebastião Maia [1942 – 1998], cuidado com o disco voador. No “Club do Rock”, na TV Tupi, conheceu Carlos Imperial [1935 – 1992], também de Cachoeiro, numa apresentação do grupo – a realeza já reinava em sua vida. Imperial o chamava de “Elvis Brasileiro”.
Pelas calçadas da Matoso conheceu seu tremendo e eterno parceiraço; outro Carlos – vamos dominar o mundo -, o Erasmo. Tudo por conta de Elvis, o que não morreu e de “Hound Dog”. O “Cão de Caça”, numa inspiração de Orfeu, uniu os dois por meio da busca da letra original. Em 1958 cantava na boate do Hotel Plaza, no bairro de Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro. Com influência de Dolores Duran [1930 – 1959] e Tito Madi [1929 – 2018], trazia ao palco, por meio do Neumann M 49, um pouco da voz de João Gilberto[1931 – 2019], um romântico inveterado.
No abençoado ano de 1959, pelo selo Polydor, gravava um compacto simples, para quem não sabe, um disquinho de vinil um pouco maior que um CD com uma música de cada lado. Normalmente a do lado ‘A’ era a boa, a do ‘B’, se emplacasse, era lucro puro. Daí a expressão ‘Lado B’. A dupla de Carlos reais emplacou “João e Maria”. Nada “Fora do Tom” como estava no lado ‘B’. Dois sambas. Em 1960 vem, ainda com Imperial, outro compacto simples e mais dois sambas: “Canção de amor nenhum” e Brotinho sem Juízo.
Chega 1961, o Rio não era mais Capital Federal, mas as grandes gravadoras estavam por cá. A Columbia lança o Rei no Long Play “Louco por você” que apesar de faixa título – estava na sétima posição -, não era a que encabeçava o disco. Em tom profético, assim como o dístico, a última música será “Eternamente” a primeira em sua vida. Pulou um ano e não parou mais até 2011.
Ano a ano um novo disco, em 1965 foram três. “Roberto Carlos canta para a juventude”, “Jovem Guarda” e sua primeira incursão em espanhol: “Roberto Carlos canta a la juventud”. Nesse período “Parou na Contramão”, fez “Splish-Splash” em seus beijos que saem faíscas e todos gritam que “É proibido fumar”. Daqueles beijos que deu e jamais esqueceu. “Só por amor” quis saber “Onde anda o (meu) seu grande amor”, porque “Não quer(o) ver você tão triste”! Escreveu cartas de amor, reclamou dos ”Mexericos da Candinha”, encantou a colônia portuguesa com “Coimbra” e, em 1979, com “Nem às paredes confesso”. “…Primeiro foi Suzy, quando eu tinha lambreta/Depois comprei um carro, parei na contramão/Tudo isso sem contar o tremendo tapa que eu levei/Com a história do Splish Splash…”. Se tornou Rei, coroado pelo Velho Guerreiro em 1966. Como castelo o Teatro Astória, na monarquia do Leblon, reino da TV Excelsior.
Encontrei Roberto, aos cinco anos, no rádio Philips valvulado, em baquelite, tonitruante, da minha querida avó: “…O Calhambeque, bi-bi/Meu coração ficou com o Calhambeque…” e como ficou. Eu imitava o Rei, vestia roupa “Calhambeque” do Rei comprada no Príncipe da rua Gonçalves Dias e anel Carcará, feito a partir do esguichador de água para o para-brisa, do Fusca. Passava os dias cantando “É proibido fumar”, “Amapola” e “Broto do Jacaré”. Fiquei fã do monoquíni, vivia uma vida de playboy e mandava tudo pro inferno para ser aquecido, no inverno, pelas Casas Pernambucanas e suas lãs, flanelas e cobertores.
Aos sete anos a vizinhança já não aguentava mais saber que eu amava a namoradinha de um amigo meu. “É Papo firme”? Eu com meu “Ar de bom moço” “Te darei o céu” para em “Nossa canção” te dizer que não “Esqueça”: “Eu estou apaixonado por você”. “Não precisas chorar”, estou “Esperando você”. Roberto Carlos de 1966, no meu ponto de vista, o melhor de sua primeira fase.
“Roberto Carlos em ritmo de aventura” selou 12 músicas tocadas. Nenhuma ficou de fora do ‘set list’ da programação das rádios. Quase a trilha sonora do filme homônimo, dirigido por Roberto Farias [1932 – 2018], com a antológica cena do helicóptero atravessando o túnel do Pasmado e depois sobrevoando a Cidade Maravilhosa. Anos vibrantes até 1970 com “As flores do jardim da nossa casa”, “Eu não vou deixar você tão só” e “Jesus Cristo”.
A vida seguiu, crescemos todos, chegou a fase romântica. Em 1971 vieram “Detalhes”, com “Te amo, te amo, te amo”, confessado pelo Rei, as músicas que ele mais gosta. “…Detalhes pequenos de nós dois/São coisas muito grandes para esquecer/E a toda hora vão estar presentes/Você vai ver…”. Quem nunca? “De tanto amor” minha “Amada, amante” e o grande carinho a Caetano no exílio: “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” fazem parte do álbum.
A partir de 1972, com “Como vai você”, em 1973 em “Proposta”, em 1974 absolutamente fotográfico, talvez uma herança subliminar de João Gilberto em “Quero ver você de perto”: ”… Vou fotografar sua mente/Quero ver seu corpo presente/Quero ver de perto seu amor…//…Não importa o mundo a se revelar/Eu vou ampliar sua vida/Em alto contraste com a volta/Close em preto e branco com muito amor…”, em 1975 com “Seu corpo”, em 1976 com “Os botões”, em 1977, de Isolda Bourdot [1957 – 2018], logo para arrasar, “Outra vez” e com Erasmo, “Cavalgada”, em 1978 “Café da manhã”, em 1979 com “Desabafo” – talvez a razão de todos os meus cabelos brancos, em 1981 “Cama e mesa” e, finalmente, em 1983 “Côncavo e convexo”. Era romantismo por todos os lados. Motel que se prezasse nos anos 1970 tinha, obrigatoriamente, que ter um canal exclusivo com realeza monumental. Ah, a namoradinha, namorada à minha espera. Sem tesão não há solução. Em 1993 compôs, com Erasmo, “Coisa Bonita”. Uma ode às mulheres boterianas. Coincidência ou não, Botero nasceu exatos nove anos antes no mesmo 19 de abril.
Estive com Roberto em três episódios. Conheci-o, pessoalmente, em 1975 numa de suas apresentações anuais no Clube Ginástico Português no Centro do Rio de Janeiro. Enchi o fotógrafo residente da casa a me deixar ajudá-lo como ‘flash-man’. Na ocasião não havia o rádio-flash e eram necessários outros profissionais, com fotocélulas, para tirar as sombras provocadas pelas luzes difusas. Foi gentil, simpático e brincalhão. Riu quando contei minha história das cantorias e da vizinhança. Muitos anos depois, estava máster-produtor de seu show em Fortaleza, no Ceará, para a Aplauso e para o Pinga. Batemos um papo rápido, falei que também não usava marrom e detestava roxo. Ele riu.
Na terceira ele não estava propriamente dito, presente, mas foi tensa e engraçada ao mesmo tempo. Produzia um megaevento: “Arribrega, a festa” com os maiores ícones do gênero. Estavam lá Raimundo Soldado, Fernando Mendes, Genival Santos e Odair José que só topou participar com uma condição: levar sua esposa para uma nova lua de mel, já que na data faziam aniversário de casados. Contas feitas topamos. Achei que era de bom tom recebê-los pessoalmente no aeroporto com toda a pompa e rito que a ocasião merecia. Buquê de flores levado por minha companheira, à época, Jacqueline, estávamos no portão de desembarque. Para nossa surpresa chega um Odair só, macambúzio e cabisbaixo. Motivo: a mulher o trocara por um show imperdível de Roberto Carlos, em Goiânia, na mesma data.
Hoje, eu ouço as canções que você fez pro mundo, nas curvas da Estrada de Santos ou na Augusta. Nunca a 120 por hora, pensando que o mundo esqueceu de mim, pois no meu calhambeque, fazendo bi-bi, eu só tenho um caminho que é gostar de você! Roberto é uma brasa, mora, é papo firme. Porque, falando sério, é preciso saber viver e são tantos os detalhes em minha vida, são tantas emoções que a música que mais eu gosto de Sua Alteza é “Com muito amor e carinho” de Chil Deberto e Eduardo Araújo, quinta faixa do álbum “San Remo 1968”, lançado em 1976.
Lugar comum te exaltaRei: como é grande o meu amor por você, seu show jamais terminará!
Minha top fifteen list robertiana:
Com muito amor e carinho – Chil Deberto e Eduardo Araújo
Detalhes – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Desabafo – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Outra vez – Isolda
Como é grande o meu amor por você – Roberto Carlos
A distância – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Cavalgada – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Como vai você – Antonio Marcos e Mário Marcos
Amada amante – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Falando sério – Carlos Colla / Mauricio Duboc
Café da manhã – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Cama e mesa – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Os seus botões – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Se você pensa – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Proposta – Roberto Carlos e Erasmo Carlos
Carlos Monteiro é um romântico. Ops, jornalista e fotógrafo