Construir Resistência
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Sobre um povo desleixado, irresponsável e suicida

Por Walter Falceta

O Brasil é o segundo país do mundo em números absolutos de mortes pela Covid-19, atrás somente dos Estados Unidos.

Ultrapassamos a sede do império, no entanto, em números proporcionais. Eles têm 333 milhões da habitantes. Temos 213 milhões.

Nossa Pindorama responde, portanto, por apenas 2,7% da população mundial. Mas aqui tombaram 12,94% das vítimas fatais da epidemia: 573.658 dos 4.427.767 (até 20/08/2021).

Nesta sexta de calorzinho, quando tivemos 925 mortes e 34.013 novos casos, o povão formigava assanhado pelas ruas de São Paulo.

O povo do topo da pirâmide, do meio, da base. Todo o povo. A maioria já sem máscara. Muitos com o apetrecho utilizado no modo queixeira.

Médicos e outros especialistas já advertiram que a vacinação não impede o contágio nem que se contraia a doença. Mas o brasileiro, imunizado ou não, apertou o botão do “foda-se”.

É velho, meia idade, jovem, criança, todo mundo aglomerado, em festa de família, em bar da perifa, restaurante chique, supermercado, praça ou rua.

Deste lado de cá, temos uma muleta para explicar esse desleixo: a conduta negacionista do presidente da República e de seus ministros.

Mas será mesmo esse o único motivo para essa incúria e negligência?

São inúmeros os relatos como este: o sujeito está na mesa do bar, máscara sob a barba e, entre um gole e outro de cerveja, conta dos últimos dias da mãe, que se foi aos 52 anos de idade, vítima da Covid-19.

Ele tomou somente a primeira dose da vacina, mas está no ambiente público. Manifesta tristeza, mas atribui a tragédia familiar ao destino. “Tinha que ser, estava escrito”, argumenta, conformado.

Ou seja, para boa parte dos brasileiros, tanto faz se há ou não isolamento, pois é uma força superior, um “destino” onipotente que decide quem vai sobreviver e quem vai morrer.

Encontra-se também fortemente disseminada a ideia de que são os fracos, os marcados, os inexoravelmente sem sorte, que vão perecer pelo coronavírus.

Essa ideia está na cabeça do miliciano, mas também do governador de sapatênis, que se esforça para parecer civilizado.

O cidadão proletário considera que tanto faz, já que tráfega no ônibus contaminado todos os dias, há quase um ano e meio. Por que deixaria de frequentar o boteco?

O desleixo suicida nacional é verticalizado. E ajuda a compreender por qual razão o país elegeu para seu cargo máximo um sacripanta parvo e ignorante.

Do pico às profundezas da pirâmide, milhões e milhões de brasileiro, mesmo inconscientemente, se sentem perfeitamente representados pelo capitão.

O cidadão médio supõe soluções fáceis para problemas complexos, como é de nosso feitio, há 500 anos. E, sobretudo, é um fatalista! O que tem de ser, simplesmente será, por pior ou melhor que seja, como imagina Pangloss, o mestre de Cândido, de Voltaire.

O Brasil é muito parecido com Bolsonaro; ele, com o país que representa e desgoverna.

A mídia hegemônica, antes tão zelosa pela saúde pública, já entregou os pontos e tirou a pandemia das manchetes. Sumiram as imagens de hospitais e cemitérios.

São os mesmos veículos de imprensa que também resolveram “deixar pra lá” os incêndios que segue consumindo a Amazônia e o Pantanal.

A oposição? Parte dela também está concentrada em outros assuntos: em sucessão, terceira via, eleições para o parlamento no próximo ano ou passapanismo para os talebans.

É isso, portanto, o que tem para hoje. É isso que tem para esta aurora madura do Século 21.

Convém alçar a voz do protesto, manter as barricadas, preservar a esperança.

Ao mesmo tempo, o bom senso manda cuidar do seu, tomar os próprios cuidados, manter distância sadia do grande baile nacional da insensatez.

Este é o seu país. Não é para amadores. Sobreviva.

Walter Falceta é jornalista e um dos coordenadores do Coletivo Democracia Corintiana (CDC)

 

 

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