Por Walter Falceta
Em 2011, eu dividia uma pizza margherita e um vinho italiano com Washington Olivetto. Era diversão, mas trampo também. Eu trabalhava na edição de mais um livro autobiográfico do publicitário, encomenda das editoras Saraiva e Versar.
Aí, no ofício de jornalista, disparei: “qual foi sua maior glória?”
E o interlocutor respondeu de bate-pronto:
– Foi ter a minha obra, a minha agência, incorporada à cultura popular por meio de uma música de Jorge Ben Jor. Foi a coisa mais linda que aconteceu na minha vida.
Ele se referia à canção “W/Brasil (Chama o Síndico)”, cuja história começa numa festa de fim de ano da empresa. O cantor e os funcionários, em parceria de embalo, criaram o “Alô, Alô, W. Brasil”.
Depois do show, Jorge, Olivetto e mais uma galera foram jantar. Na hora da sobremesa, desceram a lenha nas maluquices do governo Collor.
De acordo com Washington, o papo concluiu que o Brasil estava tão zoado que, se fosse um condomínio, o síndico seria o magnífico e anárquico Tim Maia.
E o que é que deu?
Funk na cabeça
E o que é que deu?
Funk na cabeça
Deu no New York Times
Fernando, o Belo
Não sabe se vai
Participar
Do próximo campeonato
De surf ferroviário…
Aí, me lembrei da infância. Dizem que a primeira música que ouvi, depois de chegar da maternidade, foi “Mas, que nada”, tocando repetidamente nas rádios. Fui pesquisar e, de fato, tem 1963, meu ano de estreia neste mundo, como data de lançamento.
Gosto até hoje desse balanço, e acho o melhor trabalho de JBJ. É tradição, mas é moderno. Não é bossa nova nem samba. Mas até parece que carrega um pouco das duas coisas.
É musicão com ginga, de percussão e metais, que combina com o Rio, com futebol, com boteco, com cultura, com sensação de vida simples, mas experimentada em grande estilo.
Corra pelo mundo e observe. Toca em todo lugar. Nos Estados Unidos, adoram. Acho que ficou famosa lá por causa da versão de Sergio Mendes. Se não estou enganado, existe até uma versão remixada do Black Eyed Peas, intrigante e bacana.
Jorge era para ser jogador do seu Flamengo, clube que defendeu na categoria infantil. Felizmente, largou a bola para se dedicar às artes sonoras.
Lembro mais, de um verão da infância em que não parava de chover. Eu queria brincar no quintal e não podia.
Aí, minha irmã veio com a trilha musical para o meu agastamento: “chove chuva, chove sem parar”… Eu curti. E comecei a cantar.
Decorei todos os versos. Do terraço alto do velho casarão, debruçado na mureta, eu me divertia assistindo aos banhos das rosas e cravos do jardim. Chovia a chuva sem fim, mas agora aquilo tudo tinha significado, até um caso amoroso embutido.
Jorge Ben frequentou muito a telinha lá de casa, em “Divino, Maravilhoso”, de Caetano e Gil, e também no “Fino da Bossa”, de Elis e Jair Rodrigues.
Como estou com preguiça de pesquisar, porque ainda não tomei café, arrisco que ele ganhou um festival internacional da canção, da Rede Globo. Ouso dizer que foi já nos anos 70, com Maria Alcina, e não com ele, levantando a galera com “Fio Maravilha”.
Há um monte de mistérios envolvendo Jorge. Ele afirmava ter nascido em 1945, mas era meio difícil de acreditar. Depois, uma pesquisadora meio que provou que o ano correto é 1939. Estou com ela. Ele é “gato”, como se diz no futebol.
Houve também a polêmica do suposto plágio de “Taj Mahal” em “Da Ya Think I’m Sexy”, do Rod Stewart, que eu ouvi da boca do próprio, num show no estádio do Palmeiras.
Correu processo e, se não falha a memória, Stewart acabou destinando os royalties da canção para a UNICEF. E a treta acabou aí. Muito que bem.
Enfim, é história demais, é invenção demais, é mistura musical antropofágica natural e espontânea. Eu, que adoro Fuscas, já cantei “País Tropical”, mesmo sendo corinthiano; como o Olivetto, aliás.
E, mais de uma vez na vida, tristonho e alquebrado, me consolei com os versos estoicamente classudos de “Que Pena”.
Valeu, mano Jorge, que leva o nome do Santo Guerreiro. Parabéns!
Walter Falceta é jornalista e um dos fundadores do Coletivo Democracia Corinthiana (CDC)