Por Daniel da Costa
Trata-se justamente do resultado do espiritualismo dessas igrejas, que sempre negaram a matéria, a vida corporal, a vida política, com esta sempre vista como habitação do “Mal”.
Em uma confusão teológica histórica quanto ao conceito “mundo”: cosmos. Que no Novo Testamento é tanto “cosmo”, quer dizer, organização racional muito humana que deve ser denunciada por sua recorrente injustiça, principalmente aos mais pobres e necessitados; e “cosmo” como “mundo”, criação, toda ela criada, amada por Deus e que deve ser cuidada e redimida.
Essas igrejas evangélicas históricas que, no Brasil do início do século XX dominado pelo catolicismo, estabeleceram missões e igrejas aqui, tiveram que fazê-lo sempre de modo discreto, em casas sem forma de templo e com pregação moralista (de usos e costumes nas roupas e comportamento na sociedade); com pregação meramente espiritualizante e sem referência à transformação da vida social e política do país.
Pois a presença da igreja católica romana, na formação da vida social brasileira, era ainda muito determinante nas primeiras décadas do século XX na vida das comunidades. E isso, mesmo após a proclamação da República e a adoção do estado como laico.
A disputa de território, entre católicos e protestantes, se dava, então, com base em acusações mútuas de imoralidade. Daí o lema antigo evangélico, que prevaleceu durante certo tempo, de que: “crente é honesto, e negócio com ele é na base do fio de bigode; em crente pode-se confiar” etc. (Isso hoje já está superado, ultrapassado. E veremos o porquê.)
Sempre com base no moralismo, então, a pregação das igrejas evangélicas históricas enfatizava que cristianismo é afastamento do mundo, afastamento dos problemas humanos, daí, despreocupação com os problemas de injustiça.
Quando o Evangelho, segundo o Novo Testamento todo, é estar no mundo, e ser nele sal e luz. Principalmente em vista da justiça aos menos favorecidos.
Assim, para dar continuidade à gnose evangélica protestante em geral de evasão do mundo histórico (mas com exceções ao longo da história), ou seja, seu espiritualismo, seu neopaganismo, quando esta igreja decide se relacionar, hoje, com a vida social, política, ser protagonista etc., tem que agir consequente com a tese principal do seu histórico e teológico “espiritualismo gnóstico” dominante.
E ela o faz na forma de ódio à vida, ao corpo, à política, à sociedade. Daí, insensibilidade para com quem sofre; para com a morte de mais de 800 mil pessoas por covid; para com o retorno da fome para mais de 28 milhões de brasileiros e apoio ao seu principal promotor: Bolsonaro. Etc.
Assim, a igreja evangélica hoje está apenas sendo coerente consigo mesma, com seu fundamentalismo espiritualista histórico.
Fato é que os neopentecostais, em linha com a vertente econômica dominante atual neoliberal, (assim como as igrejas protestantes evangélicas históricas eram afins à performance ideológica do liberalismo clássico, anterior), têm menos pudor em adorar e servir, de modo explícito, a Mamon.
Mas tudo isso já está lá, nas igrejas evangélicas tradicionais e históricas; em suas doutrinas e missões vindas para cá, principalmente por parte dos missionários anglo saxões e estadunidenses, lugares de projeção mundial da ideologia liberal.
Assim como está lá, nas bases teóricas e valorativas da ideologia liberal clássica, todos os reflexos e consequências da necropolítica do atual “neoliberalismo”.
Daniel da Costa é teólogo, mestre e doutor em filosofia pela USP, pedagogo e músico profissional.