Construir Resistência
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Sobre coprofagia e outras idiossincrasias

Uma vez, na Inglaterra, hospedei-me num muquifo terrível – o único lugar que eu podia pagar. Era de uma dupla de irmãos indianos, esquisitos e conversadeiros. Lembro de duas teses deles (um sempre repetia o que o outro dizia).

– Os indianos e os brasileiros são fisicamente muito parecidos, idênticos. Praticamente, não se nota a diferença.

– Esse povo moderno está tomado da “poop eater syndrome” (PES), especialmente os anglo-saxões e quem os imita.

Como sou gentil e não compro briga desnecessária, fingi que concordei com tudo. Na verdade, não creio que faça muito sentido a tese número 1. Talvez, tenham inventado uma mentira simpática, para criar intimidade.

Em relação à tese 2, nenhuma objeção. Reproduzo aqui o exemplo que me concederam.

– Hoje em dia, é desse jeito. Conhecemos dois irmãos não-indianos do East End. Eles são assim. Um se admira e diz: “veja, várias pessoas estão comendo merda e pulando da Tower Bridge”. O outro arremata: “sim, sem dúvida; então, isso deve ser bom”. Aí, em uníssono, deliberam: “perfeito, vamos também comer merda e saltar no Tâmisa.

Eu ri. Tinha aí uma bronca dos ex-colonizados, que provavelmente sofriam um baita preconceito dos britânicos. Mas a ideia serve para definir muita gente no cenário do caos contemporâneo.

A gente viu isso no episódio do negacionismo bolsonarista em relação à Covid-19. Tem gente aglomerando? Vamos aglomerar também, pois deve ser mesmo uma gripezinha. Tem uma turma dizendo que a máscara não serve para nada? Então, vamos abandoná-la. Disseram que a vacina transforma a gente em jacaré? Então, dever ser verdade; fujamos dessa cilada. Vários estão pegando Covid de propósito para ganhar imunidade? Façamos o mesmo!

Essa síndrome acomete gente de todos os tipos, até as que consideramos cultas e esclarecidas, nos mais distintos campos de debate. Vimos fenômeno semelhante na demonização recente dos russos. Bem, se toda a mídia ocidental os está detratando, certamente são os terríveis vilões.

A “PES” está frequentemente associada ao viralatismo. Clubes europeus entregaram seu patrimônio a tubarões. Aqui, como resultado, há sempre alguém para dizer: “se eles fizeram, isso deve ser bom; na verdade, inevitável”. A norma, portanto, é entregar as agremiações aos magnatas.

O mesmo se repete em várias outras áreas, em assuntos do mercado de capitais, da gestão de empresas públicas ou do controle de reservas ambientais. Tem um baluarte da esquerda, por exemplo, defendendo a “internacionalização da Amazônia”. Por ingenuidade ou tilt cognitivo, virou aliado do tubaronato corporativo transnacional.

Costumamos apelidar de gado o coletivo de seguidores do ladrão miliciano. Certo, certíssimo. Mas esta é apenas uma das raças de gado. Assim somos, pastando nos amplos territórios da ignorância, desde priscas eras; irremediavelmente humanos. O que fazer? Tentar o impossível. Another brick in the wall.

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