Sobre a morte do congolês Moïse

História

Por Lená Medeiros de Menezes

A morte brutal de Moïse, para além da brutalidade em si, em um mundo no qual o ódio ao outro cresce como praga, quero pontuar a existência de uma mistura mortal: a do racismo eatrutural com atitudes xenófobas contra o preto estrangeiro, expondo a falácia de que o Brasil seja um país “cordial, que recebe o estrangeiro de braços abertos, uma construção discursiva que nunca encontrou respaldo na história vivida.

Sobre essa falácia,  já a analisei em meu livro “Os Indesejáveis”, considerado referencial sobre o tema, recententemente lançado em segunda edição pela EdUERJ em coedição com a editora Ayran).

Vivemos hoje uma crise de refugiados sem precedente. Nesta, os países do centro africano têm enorme peso, bastando lembrar que os maiores campos de refugiados lá estão.

Tive oportunidade de  participar de uma reunião no Itamarati, em 2000, com vistas à discussão de uma nova lei de imigração. O convite foi a mim dirigido justamente por aquilo que eu expunha em meu livro. Na ocasião, ouvi a fala de um senegalês – que não foi contemplada na publicação do evento – na qual ele denunciava a discriminação e o menosprezo, começando com a própria negação de sua identidade nacional, visto que embarcavam como senegalês, congolês, angolano etc e desembarcavam como “africanos”, além de ser imputada à África a origem de doenças e pragas.

É importante lembrar que, ao tempo da Grande Imigração (virada do século XIX para o XX), o estrangeiro “desejável” era o branco europeu, identificado com o progresso e a civilização.

Como “nebulosa mental” (F. Braudel), essa “seleção” continua a esta  presente no imaginário, impulsionando práticas discriminatórias, o que faz com que um francês, alemão, inglês ou americano branco seja sempre bem-vindo, enquanto o preto estrangeiro é, sem sombra decdúvida, considerado “indesejável”.

No caso do Moïse há, ainda, outras possibilidades de análise, como concorrência no mercado de trabalho (quem sabe explicativo de terem sido também pobres os agressores), o domínio das milícias paramilitares, e a concepção criminosa de que o refugiado é alguém que tem que aceitar qualquer condição a ele imposta por “nacionais”. Certamente, um amálgama que o faz mais vulnerável entre os vulneráveis.

Em tempos de ódio, o refugiado –  em grande parte africano preto e pobre – é o indivíduo exógeno ao qual se negam direitos reivindicatórios.

Resta desencardearmos uma revolta militante para que seja dado um basta a tudo isso, não deixando “passar” a parte de nossa população fascista, racista, homofóbica, xenófoba, misógena, violenta e assassina.

Vidas negras importam, como também importam os que buscam refúgio no Brasil.

 

Foto: Reprodução ISTO É Independente

 

Lená Medeiros de Menezes é professora emérita e titular de História Contemporânea da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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