Por Sonia Castro Lopes
A campanha presidencial nem bem começou e a grande imprensa, preocupada com o crescimento da candidatura Lula, já mostrou ao que veio – construir uma candidatura palatável ao empresariado, às elites e a grande parte das camadas médias – segmentos que congregam seus fiéis consumidores.
Começamos o novo ano com o editorial do Estadão “A responsabilidade do país” que classifica o cenário político brasileiro para 2022 como profundamente desafiador. Após mencionar as desgraças dos últimos dois anos – pandemia, restrições econômicas, crescimento do número de vulneráveis e desigualdade social, irresponsabilidade do governo federal, negacionismo, falta de transparência nas dotações orçamentárias – o editor declara-se pessimista com os rumos do país e lamenta que o eleitor tenha que escolher entre a continuidade desse governo desastroso e o “perigo de repetir os erros do passado.”
Ao caracterizar como populistas os governos de Bolsonaro e os do PT, o jornal os coloca no mesmo balaio ao argumentar que “bolsonarismo e lulopetismo possuem uma semelhança radical, uma vez que contribuíram, cada um a seu modo, para instalar a atual crise social, econômica, política, cívica e moral.” E prossegue com seu presságio de bruxa má afirmando que o “aspecto mais perverso dessa similaridade é o modo como tratam as classes mais pobres”, já que governos populistas só perseguem resultados eleitorais sem enfrentar os verdadeiros problemas que afetam a sociedade, como a pobreza e a miséria. Ao final, o editorial conclama os eleitores a pensar em um governo que “cuide generosamente dos mais vulneráveis (…) construindo soluções efetivas e sustentáveis (…) mas sem retrocessos” (Estado de São Paulo, 1/1/2022, p. A 2).
Corroborando a opinião do editorial, o cientista político Bolivar Lamounier afirma que “outra rodada de Lula x Bolsonaro nos manterá afundados no atraso por muitos anos, talvez décadas.” (Idem, p. A4). Utilizando-se das expressões desordem e regresso para designar os dois contendores, Lamounier louva os líderes políticos moderados e hábeis que livraram o país do golpe militar que durou 21 anos e refere-se ao ex-presidente Lula como “uma mescla de Dr. Jekyll e Mr. Hyde”, numa alusão aos personagens do filme “O médico e o monstro”, de Rouben Mamoulian, lançado em 1931.
Desordem e regresso são expressões negativas que se opõem à legenda inscrita na bandeira nacional, tão utilizada pelos partidários do atual presidente. Em geral, causam aversão aos defensores da ordem, da disciplina, da hierarquia, da civilização e do progresso, princípios caros aos partidários da direita golpista e apreciadora de uma racionalidade positivista que não tem mais lugar em sociedades plurais e multifalcetadas, como as de hoje. O pior é que, segundo a lógica semântica dos colunistas que se proclamam “formadores de opinião”, tais expressões negativas tanto podem ser atribuídas ao governo atual quanto aos do PT.
Se Lula representa o passado, podemos afirmar com segurança que, pelas últimas pesquisas de opinião, quase 50% do eleitorado brasileiro deseja voltar aos tempos em que a miséria e a fome tinham sido enfrentadas com programas sociais premiados internacionalmente, tempos em que os filhos dos trabalhadores puderam alcançar níveis de estudo antes reservados apenas aos filhos da elite, tempos em que o custo de vida permitiu aos consumidores hábitos alimentares e de lazer aos quais nunca tiveram acesso. E ainda, tempos em que o país possuía soberania e era respeitado no exterior. Isso não é pouco, mas o suficiente para que a mídia hegemônica passe a apontar conflitos, pontos de dissensão a fim de evitar a todo custo a vitória das forças progressistas.
Uma semana após o editorial do Estadão, O Globo dá o ar de sua graça e não fica atrás em suas críticas ao pré-candidato do Partido dos Trabalhadores. “Lula deveria ser explícito sobre seu plano econômico” é o titulo do editorial da última sexta feira (7) que aponta as “ambiguidades” do ex-presidente em relação ao seu plano econômico. Se por um lado, segundo eles, “emite sinais de tranquilidade ao mercado e corteja Alckmin”; por outro defende o terraplanismo fiscal na economia, “ideário desenvolvimentista que nunca deu certo no Brasil” (O Globo, 7/1/2022, p. 2).
Terraplanismo fiscal é a expressão que define o regresso ao qual o artigo do Estadão se referiu dias atrás. Seriam as críticas do PT às privatizações desenfreadas, à reforma que suprime direitos trabalhistas, aos preços dos combustíveis, à reforma tributária que onera os trabalhadores e poupa os poderosos. A matéria explora os pontos de conflito entre o PT e os partidos de centro com objetivo de minar a tentativa de ampliação do arco de apoio político que alguns setores do PT defendem para tentar garantir a vitória de Lula já no primeiro turno.
Longe de ser um “radical” como querem seus opositores, Lula é um democrata republicano cujo compromisso é equacionar a terrível desigualdade que assola o país, como comprovaram suas gestões anteriores. Os liberais que votaram em Bolsonaro por depositar em Paulo Guedes as esperanças de aumentar absurdamente seus lucros são justamente os que negam (por julgar ultrapassado) o ideário desenvolvimentista. São os mesmos que defendem a política econômica que se consolidou com o golpe que tirou o PT do poder e resultou em desemprego, fome e miséria para os mais vulneráveis da sociedade.
É preciso acabar, sim, como declarou Gleisi Hoffmann, com as medidas tomadas após o golpe de 2016. “Está na hora de revogar o que deu errado: Lei do teto, a reforma que não gerou empregos, a política de preços dos combustíveis, (…) deter a privatização selvagem e rever os contratos lesivos ao país”, afirmou a presidente do PT em sua página no twitter. (@gleisi)
Aí está o plano econômico de Lula para desespero dos liberalóides de plantão. Ao povo pouco importa o que dizem as teorias econômicas; ele quer comer três vezes por dia, ter emprego, morar decentemente, ver seus filhos prosseguirem os estudos na universidade e para que isso aconteça desejam sim retornar ao período em que Lula foi presidente. Esse é o projeto de Lula que os opositores desqualificam rotulando-o, pejorativamente, de ideário desenvolvimentista.
A grande questão é que na disputa política até agora ainda não apareceram chances de vitória de uma terceira via, sendo Sérgio Moro o pré-candidato que mais se aproxima do objeto de desejo dos partidários da centro-direita. Na verdade, o ex-juiz nada mais é do que um Bolsonaro que sabe usar os talheres à mesa, como já o qualificou a jornalista Cristina Serra.
Não se iludam, leitores, esse é apenas um trailler da guerra que a grande mídia travará contra a candidatura de Lula ao longo deste ano. Depois de ajudar a eleger Bolsonaro convencendo a audiência de que “não havia outra escolha possível”, agora todas as baterias se voltam para massacrar a candidatura do ex-presidente Lula. E para conseguir alcançar sua meta, farão de tudo. A guerra está apenas começando.
Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles. Lula durante evento em Brasília (2017)