Sem medo de ser feliz de novo

Sonia Castro Lopes

 

Na última semana parece que todo mundo resolveu ter medo. Lógico que estou me referindo ao cenário político que mudou consideravelmente a partir do retorno de Lula ao centro da arena.  O medo dos conservadores é atávico. Estão sempre com receio de perder seus privilégios diante de projetos que abracem pautas sociais mais inclusivas e solidárias. Liberais e democratas até a página 2 se indignam diante da corrupção atribuída apenas aos partidos de esquerda- os únicos que devem fazer autocrítica – esquecendo-se deliberadamente do lixo que governos de centro e centro direita jogaram pra baixo do tapete.

 

A manchete do dia no principal jornal do Rio são as declarações do ministro Edson Fachin a respeito das últimas sessões do Supremo. Aliás, o entrevistado certo na mídia certa. Indagado sobre as decisões tomadas nos últimos dias, o ministro amedrontou não apenas os clientes que cotidianamente se utilizam dos serviços da empresa que possui controle quase absoluto sobre o noticiário, mas também conseguiu incutir certa dose de temor em alguns leitores que se definem progressistas ou de ‘esquerda.’ Por que tanto medo? Vamos aos fatos.

 

 

A Procuradoria Geral da República (PGR) entrou na última sexta feira (12) com pedido de recurso para que a decisão do ministro Fachin em anular as principais acusações contra Lula fosse decidida em plenário. A autora da ação foi a procuradora Lindôra Araújo de quem já se conhece a biografia à exaustão. Causa perdida. A razão alegada por Fachin foi incompetência jurisdicional, argumento que a defesa do ex-presidente já vinha apresentando há muito tempo, mas só agora o ministro resolveu considerar. Ou seja, não houve decisão com base no mérito da acusação.

 

Ao anular apenas os processos que não poderiam ter sido julgados em Curitiba, Fachin em conluio com a turminha que costuma jogar pra platéia salvou a operação Lava-Jato, poupando Moro de um desastre maior. Portanto, não haveria o que temer já que as demais sentenças exaradas pelo ex-juiz estariam a salvo, impedindo outros condenados de se beneficiarem da decisão.

 

Porém, o ministro Gilmar Mendes trouxe à luz uma questão muito mais ameaçadora: a suspeição de Moro em todos os julgamentos, fato que ‘pode ter efeitos gigantescos.’ Diante disso, Fachin tentou empurrar a decisão para o plenário, mas foi vencido pelo voto da Segunda Turma pelo placar de 4×1. O resultado (parcial) foi 2×2, pois o mais novo membro do Supremo, ministro Nunes Marques, pediu vista e a ministra Carmem Lúcia sugeriu que poderia voltar atrás e mudar seu voto que fora dado em favor de Moro. Temem conservadores e progressistas diante da tomada de posição dos dois que pediram um tempo para consultar ‘suas bases’ antes de proferirem o veredicto final. Serviriam as conversas apreendidas pela Operação Spoofing entre os procuradores e o juiz como provas para acusar Moro de parcialidade? Mesmo se tiverem sido conseguidas por ‘meios ilegais?’ Essa talvez seja uma das questões a serem avaliadas pelos ‘garantistas’ e ‘punitivistas’ antes de proferirem seu voto em definitivo, embora juridicamente a coisa não seja tão simples assim como parece.

 

Mas o medo maior que anda tirando o sono dos ‘cidadãos de bem’ e dos ‘tucanos enrustidos’ tem a ver com a performance do ex-presidente Lula em sua fala aos brasileiros na última quarta feira (10).  Sem subtrair o mérito de sua eloquência e sagacidade – alguns até reconhecem que Lula está em sua melhor forma – os críticos batem sempre na mesma tecla. Dizem que Lula está em plena campanha, que se apresenta aos tolos como o candidato ‘paz e amor’ construído em 2002, que opta por se omitir em relação à ‘desastrada’ gestão de Dilma Roussef.  Afirmam, ainda, que ao se julgar inocente ataca todos os possíveis adversários, declara-se vítima da perseguição da Lava-Jato e foge da responsabilidade pela Petrobrás ter sido assaltada durante sua administração.

 

Na verdade, o medo maior dessa gente é que Lula consiga atrair para a órbita do PT não apenas os partidos de centro-esquerda, mas também as do centro conseguindo formar uma verdadeira ‘frente ampla’ sob sua liderança para derrotar o inimigo maior. Diante dessa perspectiva voltam a insistir na idéia de que o antipetismo ainda é muito forte e que existe um ‘perigo’ real de se reconfigurar  a polarização que acabou por eleger Bolsonaro em 2018. Fachin chega a mencionar na citada entrevista até um possível ataque às instituições democráticas e tentativas de golpe em 2022, caso Bolsonaro não se reeleja, lembrando o caso da recente invasão do Capitólio por forças trumpistas.

 

Qual seria a solução? Buscar a terceira via na social-democracia, num PSDB esfacelado no qual se digladiam Dória e Eduardo Leite, políticos sem  representatividade e repercussão nacional? Construir um candidato com apelo populista como o inexperiente Luciano Huck? Atrair Ciro Gomes para uma centro-direita e fazê-lo concorrer com todos esses que aí estão? É duro para essa gente reconhecer que o maior partido de oposição do país ainda é o Partido dos Trabalhadores e Lula sua maior liderança. O medo atormenta e paralisa. Tudo o que não podemos agora é ficar refém dele. As cartas estão na mesa e o jogo deve ser jogado. Sem medo de ser feliz de novo.

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