Construir Resistência
Foto: arquivo pessoal

Salvador – sonhar é preciso

Por Beatriz Herkenhoff

É possível ser feliz na Bahia!

Temos que sonhar permanentemente! Deixar que o desejo nos conduza na construção de planos e projetos! Esperançar a cada novo amanhecer!

Renovo diariamente minha gratidão por estar viva e contribuir com um mundo melhor através de gestos concretos de amor, de resistência, de indignação, de cuidado, de oração, de empatia e de solidariedade. Fui muito respeitosa em relação aos protocolos de isolamento social no enfrentamento da #Covid-19. E, nesse instante, imunizada, permito-me sonhar com uma nova viagem.

Acredito que acontecerá quando a população estiver toda vacinada. Mas, vamos vislumbrando um futuro onde ousaremos voar ao encontro daquilo que nos dá prazer e novos significados. Pode ser um lugar perto ou longe, de acordo com as possibilidades de cada um. O importante é viver novas aventuras em outras paragens.

Decidi que o meu primeiro destino será Salvador (BA) porque é uma cidade que amo. Salvador foi a primeira capital brasileira (1549-1763). É plena de histórias. Possui onze fortes construídos para defesa em relação às invasões holandesas.

A população, em sua maioria negra (82,1% de acordo com IBGE, 2017), exala beleza, gingado, simpatia, afeto e capacidade de acolher. O baiano é muito amoroso e alegre. Por isso, escolho estar com eles para renovar a minha fé na vida e no ser humano.

A comida ocupa lugar central na Bahia e fala de pertencimentos, de lutas de um povo que resistiu para manter sua dignidade, cultura, crenças e valores. Na preparação de cada prato, acontecem lindas alquimias e metamorfoses. Tudo feito com muito amor e criatividade.

As igrejas convidam a uma viagem no tempo. Salvador possui 372 igrejas católicas. São tão impactantes e lindas que o nosso ser se abre ao silencio, à contemplação, à oração e à reflexão. A riqueza religiosa se completa com as religiões de matriz africana.

Imagem: reprodução

Praias

Suas praias com águas quentes e transparentes inspiram para simplesmente ficar, admirar, sentir, relaxar, nadar, mergulhar e desligar.
A Praia de Itapuã e Porto da Barra são as que mais me seduzem e encantam. Tive experiências fantásticas também no litoral norte da Bahia: Mangue Seco e Lagoa Azul (Baxio). Regiões com dunas, mar aberto e rios. Senti-me no paraíso!

Museus e Igrejas

Os museus de Salvador são densos e intensos. Resgatam a história do seu povo e as raízes da nação brasileira.

A Barra tem um calçadão que acompanha a orla com muitos bares. Vale a pena visitar o Farol da Barra. O acervo é muito interessante e a vista do terraço é linda.

O Pelourinho é tão mágico que dá para ir inúmeras vezes. Destacaria algumas igrejas impactantes: a Catedral (século XVII); a Igreja São Francisco (século XVII); a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (século XVIII). A Igreja e Convento Nossa Senhora do Carmo (século XVII). A Igreja Nossa Senhora da Conceição da Praia (século XVII).

A Faculdade de Medicina é a mais antiga Instituição de Ensino Superior do Brasil (1808). Abriga o Museu Afrobrasileiro com diversas exposições e obras de arte que expressam a influência da cultura africana no Brasil. É o mais completo que já conheci. O Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA, localizado no mesmo espaço, também é envolvente. O Museu da Misericórdia, além do belíssimo prédio da Santa Casa de Misericórdia, do século XVII, possui um acervo riquíssimo.

O Solar do Ferrão é imperdível com preciosos acervos de Arte Africana, Arte Popular, Arte Sacra e Instrumentos Musicais Tradicionais. A Fundação Casa de Jorge Amado é uma instituição cultural com várias atividades e um núcleo de pesquisas com documentações sobre Jorge Amado, Zélia Gattai e a literatura baiana.

Subam a ladeira do Carmo para admirar as construções antigas. O Carmo é semelhante ao Pelourinho, mas, é mais bucólico, menos explorado turisticamente, com moradores sentados nas calçadas; interagindo com quem passa.

O Museu de Arte Sacra da UFBA é o maior centro de estudos de arte sacra da América Latina e o terceiro maior do mundo. Localizado no antigo convento da Ordem dos Carmelitas Descalços é deslumbrante! Todas as janelas avistam a baia de Todos os Santos.

No corredor da Vitória visitem três museus fantásticos (depois das 14h): a Fundação Museu Carlos Costa Pinto; Palácio das Artes; Museu de Arte da Bahia (Casarão do século XIX).

Restaurantes

A gastronomia baiana faz a diferença com seus temperos, cores, cheiros e sabores.

No Carmo sugiro almoçar no restaurante Ulisses. Tem uma vista linda para a Baia de Todos os Santos. Vale a pena provar a carne de sol com purê de aipim, purê de abóbora e castanha. Outro restaurante aconchegante e de qualidade é o Cadê que chama (comida caseira).

No Pelourinho, o Restaurante Escola Senac oferece o melhor da culinária baiana (com opções a la carte e self service). Experimentem também um mal assado no CGC.

No Elevador Lacerda provem os sorvetes artesanais da Acubana (tradicional sorveteria de Salvador). No Mercado Modelo tem dois restaurantes ótimos: Maria de São Pedro (primeiro restaurante de comida típica da Bahia, fundado em 1925). E Camafeu de Oxossi, os donos são de Angola e oferecem uma culinária baiana que mistura os sabores herdados dos índios, dos colonos portugueses e dos africanos. Peçam Camarão no coco.

Rio Vermelho

A Casa do Rio Vermelho de Jorge Amado e Zélia Gattai é pura beleza e magia. Chorei de emoção nas três vezes que visitei. E estou em contagem regressiva para voltar! Somos recebidos com os dizeres: “Se forem de paz, podem entrar”. E é essa paz que sentimos ao sentar no banco do jardim (com pés de manga, jambo, saputi, pitanga e tamarindo) onde Jorge e Zélia passaram 40 anos namorando e interagindo com o mundo.

Vá sem pressa, desfrute da intensidade oferecida por cada cômodo. Sinta a energia dessa casa que foi sempre lugar de celebração da vida

Zélia Gattai, além de uma linda escritora, era fotógrafa. Por isso, o acervo fotográfico é riquíssimo. Fotos de todas as viagens que fizeram (foram exilados em todas as ditaduras que se instalaram no Brasil).

Jorge Amado atraiu muitos visitantes através dos seus livros (que narravam a beleza da Bahia, com sua rica cultura, culinária e histórias). Na Casa do Rio Vermelho tem um quarto de hóspedes com fotos de amigos que nele dormiram, como: Pablo Neruda, Picasso, Glauber Rocha, Tom Jobim, Polanski, Sartre e Simone de Beauvoir, entre outros.

Esse relato é apenas a ponta do iceberg de tudo que a casa oferece. Não vou dar mais spoiler! Confiram.
Ao sair da casa de Jorge e Zélia, conheçam o Mercado do Rio Vermelho(bons restaurantes) e fechem o dia na praça do Rio Vermelho. Oferece um dos melhores acarajés (da Cira), além da saborosa tapioca. As construções históricas que circundam a praça nos leva a viajar no tempo.

O pôr do sol

O pôr do sol em Salvador é imperdível, seja no Carmo, no Farol da Barra, no Museu de Arte Moderna ou no Forte Montserrat (aproveite para visitar a Igreja do Bonfim).

O Museu de Arte Moderna da Bahia (século XVII) nos presenteia com sua bela arquitetura e com o prazer de contemplar o pôr do sol na Baía de todos os Santos (uma das vistas mais lindas de Salvador). Aos sábados tem jazz.

O Solar do Unhão com paredes de pedra mantém os trilhos de pedras esféricas. Esse local foi um dos principais portos de chegada e comercialização de negros escravizados na África. Um ambiente aconchegante que nos convida a relaxar e, ao mesmo tempo, refletir sobre as origens escravocratas do Brasil e suas consequências.

O universo musical

A Bahia é uma potência musical com diversidade de estilos e ritmos. Suas músicas são pura paixão e poesia, cantores que falam de suas raízes e valorizam o que a Bahia tem de melhor.

Cada vez que vou à Bahia sou surpreendida com um show de qualidade: Maria Betânia nos palcos do Farol da Barra; um lindo musical sobre a vida e obras de Dorival Caymmi; o inesquecível show e bate papo com Tom Zé no  das Palácio das Artes. Shows com Arnaldo Antunes, Banda Agentes do Metrô e Orquestra Afro Sinfônica (quando participei do Flipelô). Shows com Alceu Valença, Gilberto Gil e Targino Godim na festa de São João, em Cachoeira (BA).

O show na Casa da Música na Lagoa do Abaeté, com Roberto Mendes (samba chula), Mateus Aleluia (música afrobarroca) e as Ganhadeiras de Itapuã. Um grupo composto por músicos, crianças e senhoras, que homenageiam, através de sambas de rodas, as mulheres rendeiras do final do século XIX e início do XX.

Mesmo nunca tendo passado o carnaval na Bahia, tive a oportunidade de participar de shows dos blocos Olodum, Filhos de Gandi, Ileaiê e BaianaSystem (grupo musical de rock e reggae que ganhou visibilidade internacional em 2016). Todos maravilhosos. Dancei com força, com alegria, com gratidão e inteireza. A alma ficou saltitante!

Com a #pandemia, tudo isso deixou de acontecer. Bares, praias, restaurantes, museus foram fechados. Shows e festas populares canceladas. A vida que pulsa através da cultura, da arte, da música, da religiosidade, da gastronomia foi suspensa em Salvador e no Brasil.

Sou a favor de privilegiar a vida, mesmo com tantos sacrifícios para a economia (depois que tudo passar, vamos reerguer o nosso Brasil). Órgãos públicos e iniciativas privadas precisam, com urgência, se unir para investir na arte, garantir a sobrevivência dos trabalhadores autônomos, ambulantes, pequenos e médios empreendedores que fazem tudo isso acontecer em Salvador e nos demais Estados do Brasil.

Pode ser que o meu sonho de viagem não tenha encantado você. Conte-me para onde você deseja viajar quando voltarmos a ter uma vida “normal”?

Sonhar é preciso! Sonhar é um imperativo! Sonhar nos fortalece e restaura a saúde física e mental.

 

Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da Universidade Federal do Espírito Santo.

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