Revolver não Resolve

Revolver não revolve

A quem interessa a Pátria Armada?

 

por Adriana do Amaral

 

Cresci assistindo filmes de “caubói”, ou Bang-Bang, pois na minha infância novela não entrava na sala de estar. Lembro-me de muitas vezes torcer pelos bandidos, pois eu não entendia o moral das curtas histórias onde o bem sempre vencia o mal, não importando os caminhos trilhados.  Na inocência infantil, aqueles tiros não matavam, pois os mesmos atores voltavam em episódios seguintes com outros nomes, embora os mocinhos e os bandidos nunca revezassem papéis.

Adulta, lembro-me da aprovação do Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826 /03) às vésperas do Natal como um grande presente para o Brasil. Dois anos depois a população brasileira votou, num referendo, a proibição do comércio de armas de fogo. 

Esperança para construção de uma nação mais justa, onde a bala de um revólver e o julgamento do homem na mira não fosse o determinante para decidir quem vive e quem morre. Decisão que costuma ser impulsionadas por questões pessoais, inerente a uma sociedade onde o preconceito e os estereótipos geram condutas sobre quem é o bandido, o mocinho; o algoz e a vítima; o herói e o super qualquer.

 

Mas tudo isso é passado…

Com muita tristeza, acompanhei uma das primeiras ações do presidente Jair Bolsonaro quando empossado, em 2019, que sinalizava a sua postura favorável à liberação do comércio de armas. Uma promessa de campanha alinhavada ao longo de 2020 e materializada em fevereiro passado, a partir de decreto presidencial. É o salvo conduto para armar a população brasileira, só que mais uns do que os outros.

Pela nova legislação, o cidadão – nem todos o são de fato e direito, não é mesmo?- pode adquirir um pequeno arsenal para colecionar, praticar esporte, caçar e para autodefesa. A pessoa com porte de arma pode carregar até duas delas ao mesmo tempo. Uma em cada mão.  

O uso de armas é permitido inclusive para adolescente com mais de 14 anos, desde que direcionadas à aprendizagem das técnicas do tiro. Inclusive com arma emprestada. O que me remete às grandes tragédias.

De quando em quando os noticiários norte-americanos mostram reportagens onde jovens invadem escolas atirando nos colegas e professores, geralmente estudantes doentes que multiplicam sua dor.  E como esquecer aquele projétil que ceifou a vida do ídolo mundial John Lennon, em 1989? Disparado por um fã, que dizia ouvir vozes, mas que carregava um revolver.

No Brasil, um dos casos foi protagonizado por estudante de Medicina, de 24 anos. Ele tinha um perfil insuspeito, mas também carregava uma arma. Invadiu um cinema, num dos grandes shoppings da capital paulista, São Paulo, aparentemente um lugar seguro. Ele atirou a esmo, matando três pessoas e ferindo quatro. 

Ouvi recentemente de uma jovem mãe, com criança pequena em casa, que ela está tirando porte de arma. Já comprou até um revólver, calibre 38, que realça a sua condição de mulher “empoderada”. Para ela, a melhor defesa é o ataque. Suspeitou, tem de atirar. É mirar e mandar bala.

 

Ouço tiros por todos os lados…

No Brasil real as armas já são de uso “livre”. Pelos militares, soldados, seguranças, políticos, pessoas ricas, milicianos, bandidos, pessoas comuns que até então driblaram a lei e um sem número de exceções legais.

Apenas no decorrer do primeiro semestre de 2020, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o registro de armas de fogo por brasileiros aumentou 120% em relação ao mesmo período de 2019. Então, 25.712 pessoas morreram em consequência de disparos intencionais. 

 

Em 2021, mesmo durante o #isolamentosocial, a sociedade brasileira vivenciou casos de crianças e adolescentes mortos por disparos em ações policiais ou “balas perdidas”, apesar de estarem fechadas em casa, no colo das mãos ou a caminho de seus lares. Isso, sem contar os “acidentes” domésticos com armas de fogo e brincadeiras letais entre crianças.

 

 

Com a liberação de compra de armas pela população, inclusive colecionadores e atiradores esportivos, o arsenal de armas brasileiro somará às armas ilegais e armamento oficial. Arsenal este que é “controlado” pelo Exército ou Polícia Federal, através do Sistema de Gerenciamento Militar de Arma de Fogo ou Sistema Nacional de Armas, respectivamente. 

 

O presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, que costuma posar para fotografias com os dedos a posto como simulando uma arma, declarou que “o povo está vibrando” com a possibilidade de andar armado. Eu pergunto: o povo quem?

Pelo que eu saiba, não foi feito uma nova consulta popular e apesar de eleito, ele não teve a maioria dos povos. Há quem diga que o aumento da circulação de arma possa favorecer grupos, inclusive de apoiadores diversos, além de posseiros que invadem terras e matam indígenas no nosso país continental.

 

Será que as famílias que perderam os seus filhos em confrontos, seja com polícia, bandidos ou armas perdidas dormirão mais tranquilas sabendo que dormem com um revolver na mesinha do lado ou temerão a arma do vizinho? Como reagirá aquele motorista agressivo numa briga de trânsito? E os professores em sala de aula? 

 

Não podemos entrar com chaves ou moedas numa porta giratória de segurança ou esteira dos aeropostos e prédios públicos. Com quem ficarão as armas no tempo retidas, mesmo momentaneamente?

 

Eu abro mão do meu direito de me armar.

 

 

Para acessar o Anuário de Segurança Pública acesse o link:

https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2021/02/anuario-2020-final-100221.pdf

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