Por Beatriz Herkenhoff
As sequelas psíquicas e emocionais ocasionadas pela #pandemia estão vindo à tona com força. Muitas pessoas deprimidas, ansiosas, preocupadas, com síndrome de pânico, trancadas em seus quartos e com desejo de morte. Sentem-se impotentes diante do desemprego; dos problemas financeiros, sociais e políticos; do desrespeito aos direitos humanos e sociais; do desmonte do sistema público de saúde, segurança e de educação.
Vivem lutos que se acumulam por perdas contínuas. Experiências que abalam as estruturas e o próprio sentido da existência.
Lidamos com questões que sempre existiram, mas, que ganharam uma dimensão coletiva gigantesca. Por isso, o enfrentamento é individual e coletivo.
É preciso buscar ajuda e apoio profissional e, simultaneamente, criar serviços gratuitos que possam oferecer condições psíquicas, emocionais, econômicas para nosso povo que vem sofrendo com o aumento da fome e do desemprego. Torna-se necessário implementar políticas públicas que garantam a sobrevivência do planeta e da população.
Não podemos ficar indiferentes àqueles que estão sofrendo. E se conhecemos pessoas que precisam de ajuda temos que nos mobilizar, solidarizar e encontrar caminhos conjuntos.
Ao completar 65 anos, tenho a alegria de publicar, junto com minha irmã, o livro “Por um triz: Crônicas sobre a vida em tempos de pandemia”. As crônicas, publicadas originalmente aqui, no portal #ConstruirResistência, foram ilustradas com as potentes aquarelas de #HeloisaHerkenhoff e refletem sobre essas questões.
Retratam o tempo presente, o cotidiano, o aqui e o agora. Falam para as gerações atuais. Convidam-nos a sair do lugar do comodismo e da tristeza.
Num momento em que os acontecimentos geram paralisia e medo, a escrita e a aquarela dialogam com intensidade, abrindo novos horizontes e revigorando nossa esperança. Leitores sentem-se tocados e instigados a pensar. Despertam para o desejo de fazer a diferença.
A arte fala aquilo que a realidade nos leva a calar. A arte faz rupturas e convida a revisões de vida.
Sempre amei livros de literatura. Eles me transportam para outros lugares, países, culturas e problemas existenciais. Mergulho de forma tal que às vezes sinto como se eu fosse o próprio personagem. Esses sentimentos e sensações acontecem também quando: escrevo, ouço músicas, assisto filmes, peças teatrais, shows e quando aprecio obras de arte.
O envolvimento em campanhas de solidariedade também fura a bolha construída por minha condição social. Um olhar míope, muitas vezes, insensível em relação às desigualdades. A solidariedade transporta-me para o mundo da pobreza e tira-me do lugar de vítima e do preenchimento de vazios através do consumismo.
Depois dos 60 anos, com o amadurecimento, novos paradigmas, crenças, valores e atitudes são possíveis. Talentos que estavam adormecidos desabrocham. O que nos leva a ocupar o tempo com mais leveza, diversidade e criatividade, mesmo quando estamos dentro de casa.
Se antes nos sentíamos imortais, com longa vida pela frente, a maturidade nos invade com uma consciência de nossos limites e finitudes. Por isso, somos desafiados a viver um cotidiano comprometido com a construção de um mundo melhor.
Com tempo de qualidade para o exercício físico, psíquico, artístico, cultural, social, político e espiritual. Dando o melhor de nós para o nosso planeta, para a humanidade e para aqueles que amamos. Desenvolvendo ações de solidariedade. Lutando pela garantia de processos democráticos e contra as injustiças.
Somos motivados a perdoar e buscar o perdão. Pois, mágoas consomem nossa energia e enfraquecem o desejo de viver.
São atitudes que renovam a alegria. Fortalecem a esperança e a capacidade de amar e de resistir.
Recursos fundamentais para a manutenção de uma luz interior, principalmente, nesse momento pandêmico, em que temos que lidar com a solidão e a ausência de pessoas queridas. Mecanismos importantes para não sucumbirmos pela falta de perspectiva.
Vocês me diriam, mas, esses desafios servem para qualquer idade. Construímos aos 30 anos o que seremos aos 60.
É verdade! As mudanças são permanentes. No mês do meu aniversário, sinto-me motivada para uma revisão de vida. Pergunto-me a cada ano: O que preciso mudar?
E com a pandemia as perguntas multiplicaram. Como superar o egoísmo, o individualismo, a indiferença e a falta de sensibilidade?
Como construir novos valores humanitários que gerem transformações efetivas no mundo? Como possibilitar que a fartura não fique apenas nas mãos de alguns? Como ampliar a generosidade? Que novos valores e atitudes é preciso desenvolver para enfrentar a fome e a desigualdade no Brasil e no mundo? Que estruturas precisam ser mudadas? Como superar a desigualdade na distribuição da vacina entre os países ricos e pobres?
Desejo que os países ricos possam enviar vacinas para os países pobres, de forma especial para a #África. Como disse #MiaCouto (escritor moçambicano), não vivemos duas pandemias. O vírus sofre mutações sem distinção geográfica, se os continentes não se uniram no enfrentamento da pandemia, da fome e da pobreza, ainda viveremos novas contaminações e milhares de mortes.
É preciso coragem para colocar o dedo nas feridas e realizar rupturas com dimensões micro e macro sociais e políticas. Somos parte desse universo, como podemos realizar mudanças? É preciso adubar a terra com pequenas sementes que irão se multiplicar.
Para fechar esse diálogo, quero falar sobre a nossa mente. Ela é um grande obstáculo nesse processo de busca interior/exterior. Ela gera sofrimentos desnecessários. Se a realidade já é dura, nossa mente imagina situações mais duras ainda; leva-nos a projetar acontecimentos catastróficos, entre tantos pensamentos destrutivos.
A mente preocupada e angustiada faz com que a realidade ganhe dimensões mais negativas ainda. O que pode provocar a paralisia, o desânimo total e até mesmo a depressão. É preciso ocupar-me, sem preocupar-me.
Tenho muito a aprender com a história do outro e da humanidade. Abandonar a onipotência e ouvir mais. Não desistir de denunciar e anunciar novas possibilidades.
Somos parte de um todo indissolúvel, por isso a busca por soluções são comunitárias. Que eu não fique isolada e trancada no meu mundo.
Esse é um convite que faço a cada um. Inclusive a mim.
Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).
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Que sério e comprometedor desafio Beatriz coloca pra nós! Também tenho pensado sobre isso! Valeu o alerta! Bela crônica!