Lourival Fontes e o Departamento de Imprensa e Propaganda no Estado Novo de Vargas
Por Sonia Castro Lopes
Há poucos dias li um artigo de Cristina Serra na Folha de São Paulo de título impactante: Sérgio Moro no lixo da história. Pus-me a refletir como nossa história é pródiga em personagens que se destacaram em determinados contextos e que a memória coletiva da sociedade lançou ao lixo para encobrir momentos de autoritarismo e/ou preservar a imagem dos líderes a quem tais personagens serviram. Espero que do atual governo, nem os líderes sejam poupados. Ele e toda sua entourage merecem o eterno ostracismo.
Esse foi o gatilho que me remeteu à pesquisa desenvolvida nos tempos de mestrado sobre um dos personagens centrais da era Vargas e que terminou seus dias completamente esquecido. Talvez poucos tenham ouvido falar dele ou pouco se lembrem de sua atuação junto ao governo da época. Chamava-se Lourival Fontes (1899-1967).
Se o nome talvez seja desconhecido para muitos, o mesmo não acontece com o famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão de censura e repressão instituído na fase mais autoritária do governo Vargas: a ditadura do Estado Novo (1937-45).
Fontes serviu bem a Getúlio Vargas porque, em primeiro lugar, tinha origem popular, sem vínculo com qualquer grupo oligárquico. É sabido que o presidente tinha a habilidade de atrair para o seu governo indivíduos das mais diversas tendências ideológicas, os quais reduzia às necessidades de seu projeto político. Sempre demonstrando senso de liderança e respeito pela hierarquia, Fontes enquadrava-se bem no projeto varguista por ser anticomunista convicto e bem adaptado à veia policial, condições indispensáveis ao Estado Novo.
A fase áurea da carreira política de Lourival, quando se tornou um dos homens mais poderosos da República, deu-se entre 1939 e 1942. Nesse período dirigiu o DIP, órgão que se notabilizou pela difusão da imagem do Estado Novo e pela censura a qualquer mensagem contrária ao regime. De 1939, quando foi criado, até sua extinção em 1945, a propaganda veiculada pelo DIP teve por objetivo legitimar o sistema tanto pela imprensa, através de jornais, revistas e publicações especializadas – visando um público mais elitizado – quanto pelos meios de comunicação mais populares, como é o caso do cinema e, principalmente, do rádio, que atingia mais diretamente as massas.
De fato, a imagem de homem público que Lourival Fontes perpetuou na memória dos anos 1930-40 foi a de censor e propagandista do Estado Novo à frente do DIP, sempre invocada como a daquele que pretendeu ser o “Goebbels” brasileiro. O ciclo estadonovista de Fontes começou a apresentar contradições a partir de 1942 quando o governo brasileiro se aproximou dos Estados Unidos e entrou na guerra contra os países do Eixo. A partir daí, Fontes não deixou de ser lembrado como um homem de ideias identificadas com o nazi-fascismo. Teve que deixar seu posto no DIP e como prêmio de consolação ganhou o posto de observador político em Nova Iorque e, a seguir, de embaixador no México, onde ficou até 1945. Com a deposição de Vargas perdeu seu cargo e retornou ao Brasil, na esperança de retomar a carreira política, interrompida pelas circunstâncias da guerra. Permaneceu cinco anos no mais completo ostracismo, retornando à cena somente em 1951 quando assumiu a chefia da Casa Civil, já no segundo governo Vargas (1951-54).
O reingresso de Fontes no cenário político brasileiro foi favorecido pela conjuntura da guerra fria, quando novamente se acirrou o anticomunismo internacional liderado pelos Estados Unidos. Após a morte de Vargas não foi difícil uma acomodação mais alinhada a partidos de direita, sobretudo a UDN, cujo principal empenho era deter o comunismo e evitar concessões aos trabalhadores, de um modo geral. Fontes se debateu, no final de sua carreira política, entre a fidelidade ao anticomunismo e a dificuldade de defender o discurso trabalhista e nacionalista de Vargas.
Retirou-se da vida política em 1963, ao não conseguir reeleger-se para o cargo de senador que ocupou entre 1955 e 1963 e, a partir daí, empenhou-se em desvincular sua imagem da identificação com o DIP. Ao final da vida, em algumas entrevistas, tentava se passar por liberal democrata, mas com o passar do tempo ficou claro que a concepção política de Fontes supunha, quando muito, uma “democracia consentida.” Sua figura é representativa de um tipo comum na vida política brasileira, a do político autoritário, conservador, oportunista, às vezes com veleidades nacionalistas.
Toda narrativa tem um propósito. Nesta tentei demonstrar que os chefes políticos se fazem cercar por figuras menores, que se promovem, se expõem, se desgastam, sempre em favor da liderança que marca determinado período histórico. Na maioria das vezes são descartadas ou reabilitadas em outras funções, mas, ao final, esquecidas, são atiradas à lata de lixo da história. Esse foi o final de Lourival Fontes. A história o julgou como julgará Salles, Weintraub, Araújo, Guedes, Pazuello, Moro e tantos outros que servem ou serviram a governos antidemocráticos como o que atualmente se encontra no poder no Brasil. Apenas uma ressalva: Getúlio entrou para a história e com honras. Já Bolsonaro sabemos onde vai parar.
Sonia Castro Lopes é historiadora. Autora de Lourival Fontes: as duas faces do poder.
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Concordo que o destino de Guedes, Moro, Salles, Pazuello, toda essa malta que se associou ao canalha-mor será o ostracismo e a lata de lixo da História. Mas, por enquanto, não os queiramos esquecidos, não. Que sejam lembrados e devidamente punidos por seus crimes. Sabemos que a mídia vai calar, esconder, esquecer, como sempre faz, porque tem as mãos sujas. Mas é nosso dever manter viva a memória desses crimes e cobrar sua punição.
Está aí a história (Clio) que tem como matéria-prima a memória (Mnemosine) para impedir que tais personagens sejam esquecidos.