Quem planta tâmaras, não colhe tâmaras

Por Washington Dener dos Santos Cunha

Existe um antigo ditado árabe que diz: “Quem planta tâmaras, não colhe tâmaras.” Em tempos antigos, as tamareiras demoravam de 80 a 100 anos para darem os primeiros frutos.
Em tempos conturbados que vivemos, penso neste ditado como um alento. Tal alento traz à memória os professores maravilhosos que tive e que foram fundamentais na minha formação, me traz à memória os colegas fantásticos com quem trabalhei, privei e partilhei ideias, ideais, sonhos, risos, sorrisos, abraços e códigos. Comecei como professor em 1986, trabalhando com crianças, passei por todos os níveis, não fui um excelente professor mas sempre me esforcei e contei com a sorte de ter alunos incríveis, que sempre me ensinaram, como também sempre procurei dar o melhor, possibilitar outras visões de mundo, liberdade para que fizessem sua própria leitura de mundo. Ainda tenho um fio de esperança que possa continuar assim …
Por isso, gostaria de dizer aos companheiros de viagens e aos que ainda estão embarcando, que nosso ofício é nossa forma de estar no mundo … Não há nada que possa definir o que somos. Na verdade, a nossa definição não está nas derrocadas cotidianas, mas a certeza e na forma de como nos levantamos e enfrentamos cada adversidade, cada revés.
Nesse dia especial, nada melhor que a História. Comemorar e rememorar os que foram fundamentais na construção de nosso caminho, que nos guiaram nas primeiras letras, nas primeiras leituras, nos primeiros passos do ofício. Rememoro e comemoro junto com meus colegas de curso, de ofício e de outras viagens… Comemoro com os companheiros e amigos de viagens e de ofício … Comemoro e rememoro com meus alunos e ex-alunos tudo o que aprendi e agradeço o presente por me permitir sempre a refletir sobre o mundo e a beleza da convivência, pela possibilidade de me tornar um ser humano um pouco melhor e a acreditar sempre na Humanidade e poder sorrir sempre com os olhos diante do próximo. Trata-se de uma corda bamba ser professor, mas é nisto que repousa a essência de tudo … A beleza do ofício está justamente nas dúvidas e incertezas; se nos causa medo e angústia é sinal de que estamos vivos e ainda podemos sentir e admirar o próprio mundo … Acredito nisto porque todos com quem tive a felicidade de poder privar a beleza da convivência do ofício de historiador e da Sala de Aula permitiu que eu tivesse apenas uma certeza, o combustível que me move: não ter nenhuma verdade a ser dita e nenhuma ideia a ser seguida, meu ofício e meus pensamentos são meu instrumento e só quero aprender a tocá-lo muito bem. Este aprendizado tem sido possível por conta de todos esses encontros que tive.
Voltando às tâmaras, conta-se a história de que um homem em idade avançada plantava tâmaras no deserto quando um jovem se aproximou e perguntou: ” Por que o senhor perde tempo plantando o que não vai colher?”
O homem tranquilamente olhou para o jovem e respondeu: “Se todos pensassem como você, ninguém colheria tâmaras”. Com o espírito desse homem que sigo defendendo o que eu acredito e possibilitando que outros possam ser livres para suas leituras de mundo. Somos a árvore que se destaca entre a vegetação rasteira, a sombra e o frescor para os viajantes cansados e desesperançados que caminham pelo deserto de ideias e estão sob o sol inclemente da ignorância.
Vermeer (séc. XVII) sempre foi um de meus pintores favoritos, talvez a obra “O astrônomo” permita expressar a felicidade, a riqueza e a oportunidade dos encontros com os que me formaram, com amigos de ofício, colegas de ofício, alunos, ex-alunos, todos queridos: meu eterno agradecimento pela oportunidade de poder tocar e observar o mundo.
Seguimos plantando tâmaras, produzindo sombra e frescor, sempre tocando o mundo. Feliz Dia dos Professores para todos nós!

Johannes VERMEER. O Astrônomo (sec. XVII). Museu do Louvre.

 

Washington Dener dos Santos Cunha é doutor em História pela USP e professor da UERJ.

 

 

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