A manifestação no Rio de Janeiro pelo olhar da ABI
Por Sonia Castro Lopes
Ontem (24) não pude ir à manifestação contra o governo Bolsonaro no Rio de Janeiro por problemas de saúde, mas uma amiga me enviou o link da transmissão ao vivo que seria feita por iniciativa da Associação Brasileira de Imprensa através da live ABI na Luta. Gostei, pois apesar das falhas técnicas (principalmente sonoras), os repórteres foram aplicadíssimos e empenharam-se em entrevistar políticos e alguns manifestantes exóticos que dão um sabor especial a esses movimentos. Havia no estúdio virtual alguns jornalistas que, à semelhança das coberturas dos desfiles de escolas de samba, teciam comentários sobre a manifestação e as notícias transmitidas pelos repórteres.
Uma das melhores questões levantadas pela turma de comentaristas referiu-se à ausência de cobertura dessas passeatas pela imprensa hegemônica. No caso da primeirona, a 29 M, foi flagrante o desinteresse da grande mídia pelo ‘espetáculo.’ As manchetes dos principais jornais no dia seguinte mostraram fatos e imagens absolutamente desnecessárias, reservando apenas meia página no interior do jornal para a reportagem sobre a passeata. Apenas a Folha de São Paulo conferiu destaque ao movimento exibindo a matéria em primeira página. Em reação ao repúdio dos internautas que se manifestaram pelas redes sociais, a partir da segunda manifestação, a 19 J, a cobertura feita pela grande imprensa foi mais generosa, tanto nos jornais quanto na TV.
Em meio a várias explicações da bancada, gostei, particularmente, da justificativa apresentada pela comentarista Elizabeth Costa, ex- presidente da Fenaj. Sensível e arguta, a experiente jornalista ‘matou no peito’ e fez um gol de placa. A grande imprensa, disse ela, não tem interesse nessas demonstrações populares enquanto elas não refletirem, de fato, o desejo de uma expressiva maioria. Tanto a ela (imprensa) como à elite empresarial interessa malhar o judas da ocasião, desde que se preserve o projeto neoliberal de Paulo Guedes, promessa com a qual o capitão seduziu parcelas privilegiadas da população, bem como camadas menos esclarecidas que, habitualmente, se deixam guiar pelos olhos dessa mesma mídia. Os principais veículos de comunicação do país, com destaque para O Globo, Estadão e Folha, costumam reforçar tanto em seus editoriais como por meio da pena de seus principais colunistas a necessidade imperiosa de se criar uma ‘terceira via’ para evitar a tão temida ‘polarização’ entre a extrema direita e a esquerda nas próximas eleições presidenciais.
Concordo plenamente com a reflexão de Beth Costa e vou além, acrescentando alguns comentários por minha conta e risco. Desde que Lula recuperou seus direitos políticos essa ‘terceira via’ virou uma obsessão. Assim, ao mesmo tempo em que combatem o capitão, intimidam os leitores acenando com o perigo de uma volta aos tempos do ‘lulopetismo’ (expressão abjeta, aliás). Sim, essa mesma mídia que demonizou o PT e contribuiu para a vitória do descerebrado que agora querem ver fora do governo, tentou eleger Alckmin que desidratou como tantos outros representantes da centro-direita. No segundo turno, por se verem ‘sem opção’, votaram nulo, como, aliás, declararam o prócer do PSDB e seu favorito em 22, o animador de auditório que em boa hora e por bons motivos amarelou e desistiu de entrar no jogo.
Moristas juramentados e guedistas por opção, os defensores de uma candidatura de centro, acreditam piamente na máxima liberal de que enriquecendo os patrões eles também terão garantido seu lugar ao sol. Corre, inclusive, uma história que para muitos não passa de boataria, de que já existiria um movimento pelo impeachment financiado pelo empresariado e habilmente apoiado e divulgado pela grande imprensa. Os ideólogos neoliberais a postos se encarregariam de montar o projeto e as raposas políticas de fazê-lo passar no Congresso Nacional. Esse impeachment seria uma forma de colocar no poder o vice Mourão que, inclusive, teria conhecimento da conspiração, mas não desejaria aparecer para não posar de Temer, o traíra-mor. Cumprido o mandato-tampão pelo general e com Bolsonaro fora da brincadeira, haveria tempo para burilar uma candidatura que realmente representasse os interesses dos donos do poder. Resta uma pergunta: Mourão se prestaria a ser um mero coadjuvante nesse circo de horrores? Não é hora para brincadeiras, não se prefere um fascista a outro. A melhor solução no momento seria, como mostra a foto selecionada para ilustrar esse artigo, aderir ao projeto #ForaBolsonaro/Mourao!
A transmissão durou quase quatro horas e estendeu-se além do previsto por que, ao contrário das manifestações anteriores que culminaram na Candelária com discursos e gritos de #forabolsonaro, desta vez o policiamento ostensivo da PM-Rj decidiu, evidentemente cumprindo ordens, interromper o cortejo na altura da Avenida Rio Branco, impedindo a apoteose no largo da famosa igreja carioca.
Em consequência, a multidão, atemorizada, se dispersou esvaziando um movimento que pelas imagens pareceu bater os anteriores em termos de participação popular. A repressão acabou por alcançar seu objetivo, como demonstrou a entrevista feita pela repórter da ABI a uma representante da CUT, que julgou prudente não aceitar a provocação da tropa para não expor os manifestantes a perigos desnecessários. Mas que houve nesse ato uma intimidação fascista, isso houve. Foram apurados, ao final, os nomes dos chefes militares responsáveis pela operação ‘empata-manifestação’ que teve por objetivo claro vender a idéia de uma passeata fracassada, com menor participação popular, o que aumentaria o prestígio do capitão reformado aos olhos da população que só enxerga as notícias pelo filtro da mídia hegemônica.
Com certeza, nada será feito, até porque o atual governador do Estado tornou-se o melhor amigo do acéfalo que nos governa. Mas é bom que saibam que não impedirão outro movimento semelhante que já deve estar sendo programado para daqui a três semanas, o 14 A. Eu, que desta vez não pude participar das manifestações políticas do #forabolsonaro, me contentei com a cobertura da ABI na Luta que, de forma um tanto improvisada, mas revelando esforço jornalístico, possibilitou aos ausentes vivenciar um pouco do que foi o 24 J no Rio de Janeiro. É como se costuma dizer: Quem não tem colírio…
Crédito da Foto: Carolina Faria /UOL
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Muito bom! Falou e disse!
Gostei muito