Quando o jornalismo apodreceu

Por Simão Zygband

 

A decisão do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que concluiu que o ex-juiz Sérgio Moro foi parcial nos processos contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na operação Lava Jato, endossando um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou a vergonhosa armação que se construiu contra a principal liderança de esquerda da América Latina que o  condenou a 580 dias de prisão. Houve no país um golpe judicial-midiático que deveria ser reparado.

A mídia corporativa (privada), juntamente com seus jornalistas amestrados (quando não mal intencionados) endossaram com parcialidade os delírios golpistas de Sérgio Moro e todo o teatro que se construiu para a deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff, vítima de uma farsa implementada pelo Congresso Nacional, juntamente com um Judiciário conivente e uma imprensa comprometida (quando não agente) do golpe.

Quando saiu a decisão da ONU favorável a Lula (como já havia ocorrido com várias outras do STF), a chamada grande mídia, não foi por acaso, optou por omitir a informação do público. Jornais como Folha de S.PauloO Estado de S.Paulo, e O Globo, além do portal G1, das revistas Veja e IstoÉ, por exemplo, sempre estiveram entre os principais veículos que atuaram praticamente como porta-vozes da Lava Jato.

Durante anos, eles se dedicaram a publicar todo tipo de “notícia” passada pela força-tarefa de Curitiba, sem qualquer exercício crítico. O intuito deliberado era fustigar Lula e o PT de todas as formas, colaborando assim com a ascensão da antipolítica, que desembocou no desastre  que o Brasil enfrenta com o (des)governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro, o genocida que negligenciou o enfrentamento da Covid-19, causando a morte de mais de 660 mil brasileiros, além de ser responsável direto pela volta da fome ao país, o desemprego e a inflação.

Jornalistas a serviço do golpe

Evidentemente que não foram apenas as empresas de Comunicação que colaboraram para difamar o PT e o ex-presidente Lula. Também fazem parte do circo de horrores jornalistas que descumpriram o principal papel do exercício da profissão que é procurar agir com isenção e ao menos tentar ouvir os dois lados, o que de fato jamais existiu na mídia brasileira nos últimos anos. Todos sabem que profissionais que não agiram de acordo com as cartilha das empresas foram sumariamente afastados, como se houvesse uma espécie de macartismo nas redações. Guardadas sempre honrosas exceções, sobraram poucos dentro delas que não estivessem minimamente alinhados com o pensamento dos poderosos empresários da imprensa, em geral, porta-vozes do poder econômico e de posições ultra conservadoras.

Poderia citar neste texto uma centena deles, que não tiveram nenhum escrúpulo em ter lado (o do patrão) e ajudar a golpear a sempre frágil democracia brasileira. Com certeza, tinham a consciência do que estavam fazendo e agiram dentro das redações como militantes políticos de direita, como se esta posição já não bastasse aos empresários da Comunicação, a família Marinho (Globo), a família Saad (Bandeirantes), Abravanel (SBT), Macedo (Record), e Frias (Folha de S.Paulo), Mesquita (Estadão) e Civita, ex-Abril (Veja), esta última uma terra sem dono.

Sobressai deste grupo de profissionais de imprensa a serviço do golpe a postagem do Facebook realizada pelo jornalista Germano Oliveira, da Istoé (conhecida na praça como Quantoé), que elenca alguns daqueles que se tornaram os “cavaleiros” da Lava Jato. Reproduzo literalmente o que ele escreveu por ocasião do julgamento em que o TRF4 aumentou em 3 anos a pena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva:

“Os cinco jornalistas que fizeram a diferença na cobertura da Lava Jato. Da esquerda para a direita: Vladimir Neto, da TV Globo; Ricardo Brandt, do Estadão; André Guilherme, do Valor; este que vos fala Germano Oliveira, da ISTOE; e Flávio Ferreira, da Folha de S.Paulo.
Faltaram outros grandes repórteres como Fausto Macedo, do Estadão e Cleide Carvalho, do Globo. Essa turma eh da pesada e se reuniu hoje na sede do TRF4, em Porto Alegre, quando os desembargadores condenaram Lula por 3 a 0 a 12 anos e 1 mês de cadeia. Ainda dá para confiar na Justiça”.
Nenhuma descrição de foto disponível.
Tiveram a manha de posar para uma foto, todos sorridentes, apesar do Germano ter tentado inocentar seus colegas, dizendo que eles não estavam comemorando a prisão de Lula. Mesmo assim, até hoje, ele mantém esta postagem em seu facebook. Não se deu ao trabalho sequer de apagar, apesar de não ser um comportamento isento como compete aos profissionais de imprensa.
Um dos jornalistas que aparece na foto, o da esquerda, é Vladimir Neto, o filho da Miriam Leitão, que foi ofendida recentemente por Eduardo Bolsonaro, um ( mau) elemento surgido na esteira do golpe que ela também ajudou a construir. Uma lástima, diga-se de passagem.
Nas escutas realizadas pelo hacker de Araraquara, Walter Delgatti Neto, reveladas pelo The Intercept Brasil, Sergio Moro dizia ter sido orientado por Vladimir Neto, como se fosse uma espécie de assessor de imprensa da Lava Jato, dando tratamento ao texto do ex-juiz (que tem péssimo vocabulário) e apontando o melhor momento de inclusão da reportagem realizada por ele no Jornal Nacional da Globo. Uma vergonha.
O jornalista Laurindo Leal Filho (o Lalo), um tradicional conhecedor dos bastidores da mídia, que sempre analisou o papel da imprensa na política, postou também em seu facebook um comentário sobre a foto e o texto de Germano de Oliveira:  “Estes “jornalistas” são cúmplices da destruição do país. Devem ser sempre lembrados, para o mal que fizeram jamais se repita”.  Não resta a menor dúvida do péssimo exemplo profissional que exerceram naquele período.

Cadáver político

Como disse, o Germano, não foi o único de centenas de jornalistas que písotearam o juramento ético da profissão, mas de suas mãos e de outros colegas da Istoé sairam muitas barbaridades jornalísticas como a que decretou o fim da carreira política do ex-presidente Lula.

Se na época já soou como uma grande “barriga” (notícia falsa, fora da realidade, forçada de barra), o que dirá agora depois das sentenças do STF e da ONU, além das pesquisas para as eleições de outubro, quando Lula desponta como primeiro colocado, com grandes chances de vitória?

Veja o que os jornalistas da Istoé escreveram, orientados pelo Germano Oliveira: “Nos termos da letra fria da lei, tão logo transitado em julgado o processo em segunda instância, Lula torna-se um cidadão incapaz de homologar sua candidatura, por qualquer que seja a legenda que ouse abrigá-lo.

Portanto, inelegível e a poucos meses de ter seu mandado de prisão expedido, Lula caminha célere rumo ao trágico desfecho de sua trajetória política. Um vaticínio já se cumpriu: aquele cara, “o cara”, acabou. Virou um cadáver político insepulto”. (sic)

A “barriga” se transformou em manchete de capa da Istoé

 

O caso Maria Beltrão

Lógico que com tantos jornalistas subservientes, para dizer o mínimo, eles tentam ainda forçar a barra dentro de seus veículos para a todo custo impedir a vitória de Lula.

Afinal, os antipetistas ficarão mal na fita, não por que o ex-presidente lhes moverá uma perseguição (por não ser este o perfil dele), mas por que se enfraquecem profissionalmente por terem trabalhado de maneira pouco profissional dentro de seus veículos de imprensa. Lógico que com o aval de seus patrões. Veja o que escreveu o jornalista gaúcho Eduardo Sterzi, sobre o mau comportamento que ainda tem a apresentadora Maria Beltrão, da Globo News, contra o ex-presidente:

“Fiquei sabendo que a jornalista Maria Beltrão, ao entrevistar o advogado Marco Aurélio de Carvalho, do grupo Prerrogativas, insistiu, mais uma vez, na falácia de que “Lula não é inocente”, apesar de todas as sentenças contra ele terem sido anuladas e os vícios dos processos terem sido reconhecidos não só pelo STF, mas até pela ONU.

Talvez seja hora de lembrar, para que essa corja de extrema-direita que ocupa as bancadas dos telejornais não se sinta no direito de continuar mentindo depois de ter enfiado o país no maior abismo de sua história, que o pai da Maria Beltrão era o Hélio Beltrão, ministro da ditadura militar, portanto, como todos os canalhas que integraram os governos brasileiros entre 1964 e 1985, cúmplice não só da corrupção desenfreada dos milicos, mas também de torturas, assassinatos e desaparecimentos. Aliás, ele foi um dos participantes da reunião que aprovou o AI-5, responsável pela fase mais sanguinária da ditadura.

Quanto a esses crimes, sim, é legítimo pressupor a culpa dos envolvidos, já que, por conta da absurda lei de anistia com que os milicos e os seus cúmplices perdoaram os próprios crimes (contrariando, até hoje, as leis internacionais sobre o assunto), investigações e julgamentos foram impedidos. Maria Beltrão, portanto, deveria ficar calada, porque não tem a menor ideia do que seja inocência – e essa ignorância vem de berço.”

Vamos aguardar o acontecimentos.

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