Por Sonia Castro Lopes
Confesso que nem sempre apreciei o humor desbragado que às vezes resvala perigosamente para a comédia tipo pastelão. Assim como alguns amigos, no início, tive alguma reserva em relação ao trabalho de Paulo Gustavo. Talvez a intensa exposição pela TV, a mídia hegemônica, sei lá. Talvez preconceito mesmo. Mas admito que nesta semana é difícil escrever sobre mães sem lembrar de dona Hermínia, representação de mãe arrebatadora, personagem caricatural inspirada em Déa Lúcia, a mãe do humorista que nos deixou há poucos dias no auge da carreira e da vida pessoal.
Dona Hermínia me fisgou de cara. Me reconheci direto naquela mãe super protetora, mandona, intrometida, mas transbordante de amor. Um amor que supera preconceitos. Esse amor incondicional que só às mães compete. É isso. Acho que só mães amam assim. Talvez por isso só as mães sejam felizes, como no título da biografia de Cazuza escrita por sua mãe, Lucinha Araújo, outra com quem me identifiquei de pronto. Não quero aqui supervalorizar o afeto ou o sofrimento das mães midiáticas, tomo-as simplesmente como exemplos para todas as outras, de todas as cores, tipos, classes sociais que, de alguma forma, se sentem representadas no/pelo sentimento de maternidade que Déa Lúcia inspirou e que seu filho, genialmente, materializou.
Claro que dona Hermínia é um estereótipo, uma caricatura, mas não há mãe que não se reconheça um pouco nessa personagem. Se não pelas falas, pelo palavrório desbocado, pela intromissão desmedida em querer pautar a vida dos filhos, todas nos identificamos com Hermínia no olhar terno e cúmplice que sempre lançamos aos filhos nas horas difíceis, quando eles mais precisam de colo. E quanta falta faz a mãe nessas horas…
De nada adiantaram as leituras sobre a história da infância e da família que realizei em meu percurso acadêmico. Acho que nem um intelectual do quilate de Philippe Ariès conseguiu me convencer totalmente a desnaturalizar o fato de que esse sentimento foi sendo construído social e culturalmente através de séculos. Pelo que informa o historiador, na idade média e início dos tempos modernos não havia lugar para grandes afetos e à família cumpria basicamente a função de transmitir a vida, os bens e o nome. Às favas também com Elisabeth Badinter e seu ‘mito do amor materno’ que nega a especificidade desse sentimento ao concluir que ele se expressa como qualquer outro e, como tal, incerto e frágil. Por acaso, amor de mãe lá é coisa pra se problematizar?
Amanhã é o dia delas. Pura convenção, invento do comércio pra vender mais, isso tudo nós sabemos. Mas, ao que parece, internalizamos as estratégias capitalistas a tal ponto que chegam a nos comover propagandas ou músicas que nos remetem à data. Quem já perdeu a sua, então, se sensibiliza só de ouvir as velhas canções que permeavam a infância longínqua. A mãe de chinelo na mão, com o avental todo sujo de ovo, mas que é a razão de nossos dias… Adoramos nossas mães na infância, as questionamos na adolescência, passamos muitas vezes a rejeitá-las ou até mesmo odiá-las nos divãs dos psicanalistas, mas a elas sempre retornamos como na parábola do filho pródigo. E como nos sentimos frágeis, inseguros e devastados quando as perdemos.
Contudo, por pior que seja, perder a mãe faz parte da natureza humana; cruel é quando ocorre o contrário. Hoje me solidarizo com as Déas, Lucinhas e com tantas outras que viram seus filhos partir e tiveram que seguir adiante, tirando forças não consigo imaginar de onde. Me solidarizo também com as que não conseguiram sepultar seus filhos, vítimas de torturas e atrocidades neste país e noutros onde a violência impera. Um abraço apertado nas mães que tiveram suas crias junto de si por alguns meses, alguns dias, algumas horas. Com aquelas que sequer puderam ver seus rostos, mas os sabiam seus. Como costuma dizer uma amiga querida, “o amor é celular.”
Feliz Dias das Mães pra todas nós!
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Linda crônica, Sonia! Um feliz Dia das Mães pra ti!
Obrigada, querido. Um dia feliz para sua familia também