Por Paulo Kliass
Assim, a senadora em fim de mandato (MS/MDB) terminou por se somar à alternativa abraçada pela maioria das lideranças políticas do seu partido ainda no primeiro turno. Ela declarou voto em Lula para o dia 30 de outubro e passou a se fazer presente em boa parte das manifestações da campanha do ex presidente. Tebet havia obtido mais de 4% do total de votos na primeira etapa das eleições e seu apoio explícito ao candidato com certeza foi fundamental para que Bolsonaro fosse derrotado por uma diferença relativamente pequena.
Ocorre que a sua participação não foi vista, em um primeiro momento, como sendo uma iniciativa institucional pelos líderes do MDB. Na disputa por fatias de participação no futuro governo, os emedebistas diziam que ela deveria ser apontada como “cota pessoal” de Lula, para justificar suas outras demandas de participação ministerial do partido. Desde o início, Tebet pleiteava o Desenvolvimento Social, onde estará alocado o programa Bolsa Família. Em seguida deixava a entender que aceitaria outra pasta da área social, como Saúde ou Educação. Na sequência, terminou por se contentar com o Meio Ambiente. Ocorre que a cada uma das alternativas, ela sempre chegava em um momento relativamente atrasado no complexo xadrez de composição com que Lula se debatia.
Tebet: área social ou economia?
As áreas sociais eram consideradas como uma prioridade do PT. A área ambiental tinha como destino preferencial a também colaboradora fundamental para o resultado eleitoral, Marina Silva. Assim, a própria postura não colaborativa de Tebet foi estreitando suas opções de pastas a ocupar. Ela talvez tenha se considerado mais importante do que de fato se apresentava nas demandas. Tentou um blefe junto a Lula e não logrou efeito. Assim, ao que tudo indica ficará com um ministério de menor exposição pública, o antigo Planejamento e Orçamento em um novo desenho de toda a Esplanada. No entanto, o cargo será responsável por decisões estratégicas para consolidação do sucesso do futuro governo.
Talvez o principal aspecto de tal decisão encontre-se no fato de que, ao contrário do que pleiteava desde o início, Tebet vai ficar com um ministério da área econômica. Caso a configuração dos colegiados desta importante esfera das políticas públicas não seja alterado, a indicada deve compor o Conselho Monetário Nacional (CMN), junto ao Ministro da Fazenda (Fernando Haddad) e o Presidente do Banco Central (BC) Roberto Campos Netto. É importante relembrar que a manutenção do responsável pela política monetária um dos inúmeros componentes da herança maldita do governo bolsonarista. Ora, é mais do que sabido que Tebet tende a se alinhar bastante com uma abordagem mais conservadora e ortodoxa nas questões da economia. Ao longo dos últimos anos, o MDB consolidou o ideário neoliberal em seu programa, tal como no famoso documento “Ponte para o Futuro”, que ofereceu as bases para a desastrosa passagem de Henrique Meirelles pelo Ministério da Fazenda, durante o governo golpista de Michel Temer. Ali teve início o processo de desmonte das políticas públicas e de destruição do Estado, com a retomada da privatização de empresas estatais e a aprovação da EC 95, com a introdução do Novo Regime Fiscal na Constituição e do famigerado teto de gastos.
MDB atual é ortodoxo na economia
A saudação de boa parte dos órgãos dos grandes meios de comunicação à indicação de Tebet no Planejamento oferece a chave para compreender os riscos de tal decisão de Lula. O CMN poderia passar a ter uma composição que pode colocar em xeque a implementação de políticas de caráter heterodoxo e desenvolvimentistas. Essa era intenção inicial, quando da sondagem para que André Lara Rezende concordasse em ocupar a pasta. Nesse caso, haveria dois nomes no colegiado com capacidade e competência na área para se opor ao liberalismo excessivo de Campos Netto.
Lula sabe que precisa apresentar soluções de curto prazo para assegurar a aceitação de seu novo governo junto à maioria da população. Ora, a implementação de suas propostas de programa de caráter emergencial (reajuste real do salário mínimo, recuperação de obras públicas, retomada do Bolsa Família, entre outros) envolve a flexibilização da rigidez da política de austeridade fiscal. A recuperação do protagonismo do Estado e o lançamento das bases de um projeto nacional de desenvolvimento exige o aumento das despesas públicas e orçamentárias. Esse movimento não encontra amparo nas propostas que o MDB tem apresentado ao País ao longo dos últimos tempos. Aliás, muito pelo contrário.
Tebet não é uma especialista em orçamento ou planejamento. É de se imaginar que vá se cercar de economistas de sua órbita política próxima, onde figuram pessoas que não apresentam as credenciais de uma figura como a professora Esther Dweck, por exemplo. Apesar de sua reconhecida experiência como Secretária do Orçamento Federal e outros cargos importantes na Esplanada durante os governos do PT, ela foi terminou por ficar deslocada durante as negociações para uma parte menos estratégica da pasta e deverá ficar incialmente apenas com os órgãos ligados à gestão. Os riscos de Tebet no Planejamento envolvem a criação de barreiras e dificuldades para a que o governo Lula adquira a sua verdadeira face em prol de desenvolvimento e da superação das desigualdades.
Quando ela indicar a lista de seus colaboradores, o cenário para o período que se inicia no dia primeiro de janeiro deverá ficar mais cristalino. Lula deveria refletir sobre a necessidade de ampliar a composição do CMN para evitar surpresas desagradáveis ao longo do percurso. Já basta a presença do presidente do BC indicado por Paulo Guedes a permanecer como uma ameaça de sabotagem ao projeto mudancista. A Tebet da campanha eleitoral, quando todo mundo era contra Bolsonaro, talvez não seja a mesma da futura ministra em área da economia. A implementação da agenda positiva do futuro governo vai exigir também uma ruptura com as bases ortodoxas e neoliberais de seu próprio partido, o MDB.
*Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.