Construir Resistência
Foto: Arquivo pessoal

Os porcos de Gadareno*

Por Luis Otavio Barreto

A fome não escolhe beleza, não escolhe aroma, não escolhe gosto e não se importa se está quente ou frio. A fome tem uma demanda que é capaz de fazer com que o sujeito se alimente de substâncias improváveis; desde elementos que, a priori, não são comestíveis até restolhos, comida apodrecida ou estragada.

Em “Quarto de Despejo – O diário de uma favelada”, de Carolina Maria de Jesus, a escritora conta que ia até o frigorífico pedir ossos, para fazer sopa. Nem sempre conseguia, porque já havia acabado. Nelson Rodrigues, numa crônica, conta que, certa vez, um chofer de carro fúnebre, em vias da saída do cortejo, desmaiou. Ao que o reanimaram, o homem implorava por um prato de arroz com feijão, que comeu lambuzando os beiços, atrevendo-se a pedir uma pimentinha.

Quando menino, no fim do ano, ouvia sempre a campanha do Betinho “Natal sem Fome”  e “Brasil sem Fome”, seguidas da frase: “Quem tem fome, tem pressa”. Depois parei de ouvir. Entendi que a situação estava melhorando. E melhorou. Saímos do mapa da fome! Pobre passou a comer carne, aliás, pobre passou a comer.

Foi graças ao Lula?! Foi graças ao Lula! E quem disser o contrário, está mentindo ou está num cínico processo de alienação. É política?! É política! Porque política serve para isto!

Ano passado voltei a ouvir a propaganda. Voltamos ao mapa da fome! Pobre parou de comer carne, aliás, ao que consta, parou mesmo é de comer. Aos que ainda conseguem comer, estão consumindo mais salsichas, carnes de hambúrguer, pão com presunto ou mortadela, assinala uma pesquisa da Kantar. Até o tradicional franguinho de domingo, rodou da mesa do brasileiro.
Mas diante do estado de miséria a qual esta pobre gente que não tem o comer está, os embutidos consumidos pelos menos pobres ainda são um luxo.

A carestia da cesta básica reduz o poder de escolha de quem tem muito pouco para sustentar uma família. Come-se sem carne, sem legumes ou sem ovos, já que o óleo está caríssimo – porque venderam toda nossa soja, sem deixar reserva. Come-se pouco, porque é preciso regrar até o fim do mês.

Paulo, o Guedes, sugeriu, ainda hoje, dia 17 de junho, que todas as sobras dos restaurantes, fossem direcionadas a um público ‘frágil’, leia-se: mendigos, pessoas desamparadas, miseráveis. Disse que ‘nossos’ pratos são imensos, farturentos, que fazemos muita comida. Não errou. É verdade. Mas, atualmente, só uma parcela muito pequena da população pode dar-se ao desbunde gastronômico. Um europeu classe média come pouco, tem o prato pequeno. (Respiro profundo.) Aqui há muito desperdício…

Tereza Cristina, a tal ministra da agricultura, fez coro e sugeriu a compra de alimentos vencidos. Perceberam a esculhambação?!

A gente paga os salários de um putos desses! Essas porras dizem quem aos miseráveis é preciso alimentar com o resto, com aquilo que está vencido e que aqui há muito desperdício. Em vez de pensarem e promoverem políticas adequadas a dignidade da população, os cretinos sugerem lavagem, como alimentação.

Mandá-los a puta que os pariu, seria como dedicar-lhes uma poesia colhida na mais terna expressão de alta consideração! Lavagem, quem comam eles! Porcos malditos!

(*) uma vara de porcos que, possuída por espíritos de trevas, precipitou-se ao mar.

 

Luis Otavio Barreto é músico pianista e professor de Língua Portuguesa.

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