Os jornalistas e o Partido da Imprensa Golpista (PIG)

Por Simão Zygband

          Ilustração: Carlos Latuff

Quando editei o jornal Unidade do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, tive a rara oportunidade de entrevistar Paulo Henrique Amorim um ano antes de sua morte. A entrevista, realizada na casa dele, no bairro de Higienópolis, em São Paulo, tinha a seguinte pauta: a Justiça é instrumento de cerceamento da imprensa?

Paulo Henrique Amorim morreu angustiado pelas dezenas de processos que recebeu, inclusive de Ali Kamel, diretor geral de jornalismo da Rede Globo de Televisão (a quem teve que indenizar), por chamá-lo de racista. Na indenização, PHA foi obrigado a pagar R$ 50 mil a título de indenização por danos morais, pelos crimes de injúria e difamação, além de receber uma pena de cinco meses e dez dias de prisão, que possivelmente não foi cumprida.

Paulo Henrique Amorim foi criador de uma expressão que revelava a imparcialidade da mídia, principalmente por ocasião do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e dos constantes ataques ao ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva. PHA considerava a mídia como o “Partido da Imprensa Golpista – PIG”. Significava que a imprensa orientava, com matérias parciais e com absoluta falta de isenção, os partidos de direita que se opunham aos governos do PT.

O golpe contra a ex-presidenta Dilma, a ascensão do vice-presidente, o traidor Michel Temer e a eleição (com requintes de fraude) do atual ocupante da cadeira da presidência, Jair Bolsonaro, mostram como pode ser venal o poder da imprensa quando a serviço de interesses que em geral não beneficiam a maioria da população.

Mas não foram apenas as empresas de Comunicação que sedimentaram o caminho do ódio que desembocou na eleição do governo de extrema direita de Bolsonaro, um capitão reformado do Exército, afastado por distúrbios psíquicos, com vínculos com as milícias cariocas.

Bolsonaro já possuía uma ficha corrida nada salutar, fato omitido por interesses corporativos pela imprensa privada e por jornalistas de direita alinhados com os patrões, funcionando assim como verdadeiros capitães do mato. Foi exatamente este tipo de profissional patronal, subserviente, que restou nas redações dos jornais, rádios, TVs e portais.

Claro que existem honradas exceções, que se mantiveram caladas e acuadas em seus ambientes de trabalho. O restante dos jornalistas foram devidamente varridos por uma espécie de” macartismo” que sempre rondou a profissão, mas que se acentuou como nunca nos últimos anos. Bastava ter alguma simpatia pelo PT, pelo Lula ou por algum partido de esquerda para ser devidamente demitido.

Vladimir Herzog

Não é de hoje que há jornalistas e jornalistas. Óbvio que nem todos precisam ser de esquerda para serem competentes. Mas é necessário interpretar os interesses da categoria, a quem servem e o que representam. No episódio que culminou com o assassinato do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975, nos porões do Doi-Codi, que marcou o início do fim da ditadura militar, há de se destacar o papel nefasto dos jornalistas de direita, como Claudio Marques, um colunista que escrevia para o extinto jornal Shopping News.

Ele chamava o Departamento de Jornalismo da TV Cultura, dirigido por Vlado, de “TV Vietcultura”, por passar em sua programação um noticiário sobre o Vietnã, que havia derrotado os EUA na guerra suja ocorrida naquele país, com a utilização, inclusive, de napalm contra a população indefesa.

As colunas de Claudio Marques nortearam os discursos de deputados ligados à ditadura militar, como José Maria Marin e Wadih Helou, ambos da bancada malufista (ligada ao ex-governador Paulo Maluf), acusando Herzog e os jornalistas da TV Cultura de comunistas. O final da história todos sabem. A ditadura forjou o enforcamento de Herzog na cela do Doi-Codi, como se fosse um suicídio, que só acabou desmentido pela ação dos próprios jornalistas ligados ao Sindicato, inclusive a do seu presidente na época, Audálio Dantas e por lideranças religiosas como Dom Paulo Evaristo Arns, rabino Henry Sobel e o pastor Jaime Wright.

A serviço do golpe

Este tipo de conduta subserviente às empresas de Comunicação e aos governos de direita também norteou a ação de vários jornalistas que ajudaram a construir o golpe de estado e a levar o Brasil ao descalabro que enfrenta nas mãos do governo genocida de extrema direita.

Precisam aprender que é bastante perigoso colaborar com a ruptura das vias democráticas. Muitos estão empregados ainda hoje nas empresas jornalísticas e enfrentam os dissabores de ter Bolsonaro os humilhando quase que diariamente.

Fazem de conta que não foram eles mesmos que hoje sofrem os ataques do psicótico mandatário de plantão que ajudaram a eleger, apenas por não gostarem do PT, o que é absolutamente legítimo. Fingem que não é com eles e que não têm nada a ver com a história.

Não foram poucos os jornalistas que estiveram a serviço do golpe e que legitimaram a ascensão de Temer ao poder e posteriormente de Bolsonaro. Muitos deles idolatravam inclusive o juiz de primeira instância, Sérgio Moro, que ilegalmente conduziu o ex-presidente Lula para detrás das grades. A manobra lhe rendeu 580 dias de prisão sem provas. Os jornalistas subservientes jamais admitiram isso é nem fizeram qualquer tipo de mea culpa.

No vazamento das escutas da Lava-Jato, obtida por hackers, Moro e o promotor Deltan Dallagnol se referem aos jornalistas que cobriam o Palácio do Planalto como “abutres”. Sabiam que podiam vazar através deles informações de interesse dos golpistas, que elas estariam reproduzidas no telejornal da Rede Globo, nas revistas Veja e nos jornais O Estado de São Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo, entre outros. Estes grandes veículos fariam que as notícias se esparramassem para toda a mídia.

Quem se notabilizou com este tipo de conduta espúria foi exatamente o filho da destacada jornalista Miriam Leitão, Vladimir Netto, repórter da TV Globo, que chegou a orientar os procuradores e Sérgio Moro de como deveriam se comportar contra Lula para dar visibilidade a uma notícia de interesse deles.

Mas a lista de supostos “coleguinhas” que trabalharam pelo golpe e pela eleição de Bolsonaro é imensa e seus nomes nem merecem ser mencionados. Entrarão na lata de lixo da história junto com nossos algozes.

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  1. Perfeita análise. Imprensa podre, dependente e mais do que nunca subserviente . Mas ainda bem que há aqueles que são comprometidos com a missão jornalística e são independentes para denunciar esses baba ovos de poderosos .

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