Construir Resistência
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Os desatinos da operação Lava-Jato

Construir Resistência entrevista o professor Fabio Kerche

 

Por Sonia Castro Lopes (transcrição e edição)

Na última quarta feira (1/9), a  equipe editorial do Construir Resistência entrevistou o cientista político e professor da UNIRIO Fábio Kerche, um dos organizadores do livro “Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política”, publicado este ano pela Editora Autêntica. No vídeo de 30 minutos, Kerche discorre sobre o fim da operação Lava-Jato, as irregularidades dos processos contra o ex-presidente Lula e a repercussão desses fatos na grande imprensa.

Segue, abaixo, a entrevista:

CONSTRUIR RESISTÊNCIA: A recondução de Augusto Aras à Procuradoria Geral da República (PGR), aprovada por uma maioria de 55 senadores teve grande repercussão na imprensa que ressaltou o “sepultamento da operação Lava-Jato” comentando que o fato atenderia tanto aos apoiadores do governo quanto à oposição, mencionando em especial o PT. E já que estamos falando sobre Lava-Jato, sabemos que o senhor acabou de concluir um livro sobre esse tema em parceria com a professora Marjorie Marano da UFMG. Alguns dos principais editoriais da imprensa hegemônica vêm batendo na tecla de que ‘Lula não é inocente’, pois seus processos não foram analisados  no mérito. Gostariamos que o senhor falasse um pouco sobre isso.

FABIO KERCHE: A LJ talvez no meio político tenha alcançado um consenso, mas ao contrário do que aconteceu antes, os políticos começaram a questioná-la. Muita gente, inclusive, se aproveitou da LJ para se eleger:  Bolsonaro, vários governadores como o de MG, aqui no Rio, muitos surfaram nessa onda. Mas o fato é que a LJ por razãoes diferentes, transformou-se em algo negativo. Todo mundo cansou da LJ. O PT porque, claramente, cansou de ser injustiçado, perseguido, criminalizado. O PSDB cansou porque a LJ estava chegando neles, em São Paulo. A LJ já deu o que podia dar e a situação foi agravada pela Vaza Jato e pela Operação Spoofing. Quando se descobriu o que era feito pelo Moro e pela Força Tarefa foi um escândalo. O Aras também se beneficiou disso, pois é reconhecido como alguém que pôs fim à LJ. Por diferentes razões, todos chegaram a um momento de avaliar negativamente a LJ. E com motivos. Por exemplo, em relação ao ex-presidente Lula os processos contra ele são totalmente irregulares por dois motivos: o primeiro pelo timming. Quando você percebe o timming dos processos identifica que tudo foi absolutamente excepcional. O tempo decorrido entre o julgamento do Moro e o do TF4 que confirmou em segunda instância e garantiu a prisão do Lula é um verdadeiro escândalo, um absurdo [de tão rápido], foi atípico, o que demonstra que houve um tipo de julgamento especial para o ex-presidente. Outro aspecto que analisamos foi a questão do processo em si. É muito frágil, não havia provas, foi baseado nas delações premiadas. Essa ideia de delação premiada, importada dos Estados Unidos, não se sustenta apenas em delações, tem que haver provas. O que aconteceu com o presidente Lula foram denúncias sem provas. O processo era muito frágil e felizmente foi revisto pelo Supremo, embora tardiamente. Demorou muito, mas se fez justiça. Um outro detalhe importante: o presidente Lula não sofreu condenação fora de Curitiba, só foi condenado em Curitiba. Em todos os processos que correram em Brasilia ou em São Paulo ele foi inocentado ou ainda não foram julgados. Enfim, o presidente Lula não teve nenhuma condenação fora de Curitiba. É preciso lembrar que o pressuposto da democracia válido para todos é a de que somos inocentes até que se prove o contrário. Se as condenações do presidente Lula foram anuladas e o STF decidiu que o juiz reponsável pela condenação é suspeito, parcial, que desconsiderou a defesa para condenar o presidente, então o presidente Lula é inocente. Eu não consigo entender qual o raciocínio das pessoas que falam que Lula não é inocente. Ele é tão inocente quanto eu ou vocês. Se você não tem uma condenação, você é inocente, isso é básico. Eu fico às vezes admirado com o malabarismo que as pessoas fazem para tentar mostrar alguma coisa que não faz o menor sentido. A técnica usada pela LJ de publicizar [espetacularizar] suas ações levou as pessoas a terem dúvidas. Há uma frase do Hobbes que eu gosto muito: ‘A sensação de justiça se dá sempre pela condenação.’ Parece que a justiça só é feita quando se condena. O que é falso. A justiça é feita quando se observam as provas, a defesa e aí se conclui se a pessoa é culpada ou não. Por enquanto, o presidente Lula não tem nenhuma condenação, recuperou seus direitos políticos. Hoje (1/9) saiu mais uma pesquisa mostrando que ele está muito bem, muito à frente do Bolsonaro.

CR: A LJ foi demolida por hackers que invadiram os celulares de Sérgio Moro e Dallagnol. Podemos creditar a debacle da LJ a partir dos procedimentos desses hackers? Afinal, foi através deles que ficamos sabendo a verdade e aparentemente isso demoliu aquele castelo de areia. Se não tivesse ocorrido, o Sr. acredita que o Lula continuaria com todas as condenações?

FK: Eu acho que sim. O que nós falamos no livro [sobre a LJ que será publicado brevemente] é que as instituições não foram suficientes para fazer valer o direito, a justiça em relação ao presidente Lula. Não foram suficientes para barrar o juiz Moro e a Força Tarefa de Curitiba. Foi um meteoro, um fator extra institucional, inesperado. O hacker mudou o rumo dessa história. Se não fosse isso, talvez o presidente Lula estivesse solto por uma série de recursos, idade etc, mas não teria recuperado os direitos políticos. Eu acho que esse hacker  mudou a história do Brasil. O fato teve um peso muito grande e, se não tivesse ocorrido, o STF não teria revisto a decisão em relação ao presidente Lula. Na verdade, os juízes do STF afirmaram que a atividade dos hackers não importou para a decisão deles. Mas é obvio que os ministros do Supremo também foram impactados por aquelas informações que se revelaram um verdadeiro escândalo. Não há um processo equilibrado quando o juiz coordena a atuação do MP e da polícia. Os advogados de Lula não tinham a menor chance em Curitiba. Ali era um jogo de cartas marcadas. Já desconfiávamos disso. Eu tenho um artigo escrito em  2018 no qual afirmo que as fronteiras entre o juiz, o MP e a polícia eram muito tênues no Brasil. E vocês lembram que mesmo a Vaza Jato denunciada pelo Intercept não foi suficiente. Foi necessária a operação Spoofing, autorizada pelo ministro Levandowski, que trouxe um conjunto avassalador de informações mostrando a interferência indevida e ilegal do Moro coordenando os trabalhos da Força Tarefa. No Brasil, Judiciário é uma coisa e MP é outra,  porque justamente a ideia é que um fiscalize e controle o outro. Quando trabalham juntos, a defesa não tem chances. Então, sim, o hacker mudou a história do Brasil.

CR: A LJ não existe mais, mas ela está perpetuada nas mídias sociais, ou seja ela continua circulando pelo menos entre uma parcela da população. Semana passada, apesar das decisões da justiça favoráveis ao presidente Lula, o governador João Dória declarou em rede pública de televisão (Programa Roda Viva) que o Lula ainda tem muito a se justificar perante a sociedade. Sabemos que Lula representa a oposição a um programa neoliberal com muitos defensores no Brasil. Com esse cenário que se apresenta, o Sr. vê risco para as eleições do próximo ano?  O Sr. vê riscos à candidatura do Lula?

FK: Eu vejo mais riscos para as eleições de uma maneira geral do que para o Lula, em particular. Do ponto de vista de processos que ainda existem para o Lula, eu creio que não dará tempo para que ele sofra outra condenação. Se as regras forem respeitadas, se o processo legal for respeitado, o Lula será candidato em 2022 porque quando as condenações foram anuladas esses processos voltaram à estaca zero. O MP pode até reconduzir as acusações, mas não haverá tempo hábil. Talvez haja mais risco para as eleições de uma maneira geral, embora eu ache que esse constante flerte do Bolsonaro com medidas autoritárias, suas ameaças, são mais um sinal de fraqueza do que de força. Bolsonaro está muito acuado, as pesquisas demonstram que ele está derretendo. Há resultados muito ruins na economia, o país está muito mal. Não precisa ser economista para entender isso, basta andar na rua. Impressionante como voltamos a ver tantos moradores de rua, gente pedindo, crianças vendendo balas… O Brasil durante muito tempo tinha diminuído essa miséria e as pesquisas estão mostrando que a sociedade está percebendo isso. O presidente Lula está conseguindo se colocar como uma alternativa a tudo isso até pela lembrança do governo dele, do fim da fome, do sucesso econômico. Eu confesso que não temo uma ruptura institucional, não há espaço para isso, a sociedade brasileira não vai aceitar, a sociedade civil não vai aceitar, a comunidade internacional não vai aceitar. Imaginem o Brasil, uma economia importante, sendo governado por uma ditadura- Bolsonaro com Polícia Militar – ninguém vai aceitar isso. Agora, o que pode acontecer – e isso é o que mais temo – é a violência no período eleitoral, o Bolsonaro sendo derrotado… eu acho que pode ter aí um período muito tenso no Brasil. Eu não creio que isso vá se perpetuar, que quem ganhar a eleição assume em 2023, mas a gente vai ver momentos de tensão e de violência. Ele está tão acuado que até outro dia se discutia uma aliança do Bolsonaro com as FFAA, hoje ele está aliado à Polícia Militar, é um downgrade, né? Na verdade o que se vê hoje no mundo não são rupturas como aconteciam no passado. Vêem-se poucos golpes militares com tanques na rua, hoje há uma corrosão da democracia por dentro. Você tem o Trump, você tem na Polônia, na Turquia e no Brasil. Golpes abertos de fechar Congresso são exceções, hoje os golpes são mais sutis. Acho que o Bolsonaro, apesar das ameaças, não vai obter sucesso com essas ameaças, mas temo que momentos de grande tensão possam ocorrer, como ocorreu nos Estados Unidos. Mas ainda  acho que Bolsonaro está cada vez mais fraco. Felizmente, porque ele é uma ameaça para a democracia. Um dia vamos ter que acertar contas para entender como conseguimos colocar um cara desses na Presidência da República.  O pior governo que o Brasil já teve, sem dúvida.

CR: Se essa violência que o Sr. está imaginando realmente acontecer será que haveria um canal para a formação de uma frente ampla?

FK: Já há sinais. 2018 deixou algumas lições. Alguns estão aprendendo, outros não. Ciro Gomes não aprendeu ainda, continua insistindo que vai para Paris novamente. Mas temos avanços. FHC , por exemplo, já declarou que contra Bolsonaro votaria no Lula. E Lula já declarou que apoiaria qualquer um contra Bolsonaro. Por enquanto não acredito numa Frente Ampla. O Ciro vai se candidatar, o PSDB lancará candidato, mas eles têm direito a isso. O processo democrático é isso, primeiro turno é assim mesmo. O importante é que várias forças políticas que apoiaram abertamente ou mais timidamente Bolsonaro, apoiaram o impeachment, flertaram com o limite da democracia, hoje reconhecem o erro e estão anunciando que Bolsonaro é a maior ameaça. Frente a Bolsonaro qualquer alternativa merece apoio. Não acredito em frente ampla no sentido de que muitos partidos irão abrir mão de candidaturas,  mas creio que a boa notícia no cenário político é que várias forças reconhecem que Bolsonaro é o mal maior… Eu costumo brincar com meus alunos que entre Bolsonaro e um bule de café eu voto no bule (risos).

Vamos aguardar o próximo livro de Fabio Kerche e Marjorie Marona sobre a Lava Jato a ser brevemente lançado pela Autêntica. A equipe editorial do Construir Resistência  pretende entrevistá-los logo que a obra for lançada.

 

Veja a gravação dessa entrevista no nosso canal do youtube:

https://youtu.be/ZFC3imn-pTo

Ou assista na seção de Vídeos de nossa página.

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