O vestido vermelho

Miriam Waidenfeld Chaves

 

Ronaldo mulherengo. Andréia. Casados há oito anos.

Nas reuniões sociais os olhos de Andréia caçam os olhos de Ronaldo. Sabe que a qualquer momento irão pousar em uma bunda, um peito.

Não faz escândalo. Não tira satisfações. Apenas observa. Conversa com um, com outro. Tenta se distrair. Mas os olhos sempre estão à cata do marido.

Ronaldo se aproxima. Pergunta se está tudo bem. Dá-lhe um beijo carinhoso. E sai pelo salão.

Animado e festeiro, quando cai em si Andréia já foi para casa sozinha.

Trata-se de uma mulher bastante interessante. Entretanto, Ronaldo é insaciável!

Nesta noite, no aniversário de 44 anos de Anita, Andréia do sofá observa Ronaldo. Todos se deliciam com sua conversa. Uma loira parece interessada.

Há nove anos, nesta mesma sala com um vestido branco, o viu pela primeira vez:

– Anita, quem é aquele cara ali na varanda com uma camisa xadrez?

– Meu primo que acabou de ser transferido para o Rio de Janeiro. Separado, vou logo dizendo.

– Gostei dele. Parece interessante.

– Cuidado, avisou Anita que conhecia a fundo a vida do primo conquistador.

Naquela mesma festa, ambos se descobriram encantados um com o outro. Ronaldo com a timidez de Andréia.  Andréia com a simpatia de Ronaldo. Falante, Andréia não precisava fazer esforço. Apenas escutar. Gostava de escutar.

Ronaldo contou sobre suas viagens, sobre o sítio que havia comprado. Os filhos do casamento já desfeito. Enfim, havia encontrado alguém para se exibir. Sem concorrência.

Casaram-se.

No início Andréia se deliciava com Ronaldo pelos salões. Dançando. Fazendo brincadeiras e divertindo os amigos. Não era exagerado. No ponto.

Com o tempo, o orgulho que sentia ao vê-lo borboleteando entre os convidados, transformou-se em ciúme.

Hoje em dia, apenas indiferença. Sentada no sofá, continua analisando Ronaldo. Sem limites. Inconveniente até.

A morena ali com seu sorriso. Ronaldo, animado diante platéia tão coquete, exagera nas histórias. Gesticula. Conta bravatas.

Como pode se apaixonar por esse homem? E de repente ao desviar seus olhos de Ronaldo, se depara com outros olhos que de longe a admiravam. Sorriam para ela. Retribuiu.

Mas, decidida, abandona a festa.

Chega de cismar com a vida, com o marido, com o casamento. Rumo ao Baixo Leblon! Andréia quer ser feliz. Descoberta que fez há um ano e meio na terapia.

Vai para o Diagonal. Sabe que o trio de amigas estará lá a sua espera.  Reunião sagrada. Não as encontra há mais de seis meses. Só pelo telefone. Longas conversas sem fim.

Três da manhã vão para a casa de Heloisa continuar a celebração do encontro. De lá avisa a Ronaldo que dormirá na casa da amiga.

No dia seguinte, durante o almoço desce do prédio onde trabalha, atravessa a rua, entra em sua boutique predileta e decide comprar um vestido vermelho de cair o queixo.

À noite, já em casa, Andréia toma outra decisão que surpreende Ronaldo.

 

 

Resposta de 0

  1. Li e reli em duas piscadelas…os contos curtos e ágeis da Miriam (os que já li, devo dizer) têm a rapidez de um piscar de olhos e a profundidade de um olhar penetrante. “Janela da alma” e “espelho do mundo”…
    Foi esse universo do olhar o que mais me atraiu neste texto: a mulher que se apaixona ao ser desejada, exatamente por onde o homem também irá “traí-la”… pelo menos até que ela enxergue a si mesma…adorei!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *