O universo particular das crianças na #pandemia

Por Beatriz Herkenhoff

A #pandemia cortou aquilo que é fundamental para o desenvolvimento das crianças: a socialização com outras crianças e com adultos de referência.

Amo crianças! Elas me tocam profundamente com sua alegria, resiliência, espontaneidade, pureza, capacidade de amar e brincar. Sofro com elas quando: estão doentes, fora das escolas, sentem fome, frio, são rejeitadas e abandonadas. Sinto-me impotente, quando vejo que para muitas crianças a alternativa de sobrevivência se dá nas ruas, no envolvimento com o tráfico e com o trabalho infantil.

Não aceito abusos infantis. Pais que agridem, matam, humilham e desqualificam seus filhos.

O desemprego, a sobrevivência da família com um salário mínimo, o excesso de trabalho, as exigências sociais para ser bem sucedido, para se divertir e aproveitar a vida, para ter um corpo perfeito, pressionam os pais e interferem na dinâmica familiar. São tantos os desafios que os mesmos não conseguem reservar um tempo de qualidade para estar com seus filhos. Tempo para brincar, para ouvi-los, para olhar nos olhos e dizer o quanto são amados e importantes. Por que o trabalho, a academia, o lazer e as redes sociais ocupam um tempo maior do que a partilha do amor com as crianças que nos cercam?

Elas crescem rápido, e o que oferecemos na primeira infância fica para sempre em termos de segurança, autoestima, autoimagem, confiança em si e na possibilidade de construir um mundo melhor. As crianças nos ensinam com sua espontaneidade, transparência, sinceridade, criatividade, amor e alegria que o foco principal é ser mais e não ter mais.

Elas nos surpreendem com a forma como reproduzem o mundo adulto com maestria. Como elaboram, através das brincadeiras, as relações não resolvidas entre seus pais e com aqueles que as cercam. Incorporam também ao seu cotidiano os gestos de amor que presenciam. Ao brincar, a criança reproduz o mundo adulto e amadurece suas emoções e expressões de afeto, de raiva, de tristeza, de amor e de alegria. A criança suga, exige atenção, mas, dá o melhor de si, nos renova com seu amor e nos torna mais humanos e pacientes.

A #pandemia cortou aquilo que é fundamental para o desenvolvimento das crianças: a socialização com outras crianças, e, com adultos de referência. Não podem mais frequentar os parques, praias, a pracinha do bairro. Não podem mais comemorar seus aniversários com os amigos. Muitas crianças pararam de conviver com os avós e as tias que são canais de trocas afetivas e de equilíbrio para o seu processo de crescimento.

Os avós cumprem lindamente esse papel na vida das crianças. Estão atentos para suas demandas por interação. Permitem que a criança seja o centro quando dança, canta, faz peraltices, cria uma história, desenha, entre tantas outras coisas que expressam o seu jeito de ser.

A família é fonte de pertencimento, cria raízes que possibilitarão a passagem para o mundo adulto com confiança, segurança e autonomia. A família forma cidadãos sensíveis, éticos e comprometidos com um mundo melhor. Seres humanos que não se calarão diante das injustiças, da desigualdade, da destruição do nosso planeta. Nesse momento em que a#pandemia passa a demandar mais dos pais, os mesmos se sentem enfraquecidos, ansiosos, com sentimentos de medo e tristeza.

É preciso criar uma rede de apoio que inclua as famílias e a comunidade. Construir estratégias coletivas para fortalecimento das famílias e das comunidades. Superar o egoísmo e o individualismo exacerbado que têm nos conduzido. Outro fator grave é que a permanência forçada dentro de casa está gerando muitos conflitos familiares e separações. O trabalho home office e o excesso de tarefas com as crianças também. As pessoas perderam o seu espaço de recuo e de resgate do equilíbrio psíquico, emocional e espiritual.

Eva Illouz, em seu livro The End of love: a sociology of negative relations (2019) afirma que a crise do #coranavirus nos faz entrar no colapso das nossas próprias casas. A intimidade constante e contínua não é suportável para a maioria dos casais. A esfera privada e doméstica (a casa) precisa desesperadamente da esfera pública, dos amigos, do trabalho, das ruas para poder cumprir sua função. Para lidar com esses desafios e demandas, pais têm criado grupos on line para partilhar suas experiências e aprendizados com o #isolamentosocial.

Inúmeras são as estratégias construídas: avós que tomam o café da manhã todos os dias com os netos através de vídeo. Brincam, conversam, estão presentes, mesmo na distância. Crianças criam formas de resistência com criatividade; desenham para os avós, dançam e escrevem pequenos livros para animá-los, conversam sobre filmes. Pais envolvem as crianças na decoração do seu quarto, pintam paredes coloridas e colocam quadros alegres. Criam um cantinho para brincar e para estudar. Pais incluem os filhos (pequenos) na arte de cozinhar. Fazem sessão de cinema em família. Criam momentos de música, de dança, de atividades circenses, etc.

Educar dá trabalho, exige de nós adultos uma energia extra, um tempo extra. Temos que desenvolver a generosidade e o desprendimento para investirmos nesse ser que está crescendo e depende totalmente de nós. Na próxima crônica vou falar sobre o cuidado com a nossa criança interior:

Se nossa criança está adormecida e ferida, como vamos proteger e cuidar de outras crianças?

Para nos inspirar, sugiro alguns filmes de animação japonesa (a maioria do estúdio Ghibili) para assistir com as crianças, em família. Filmes que suscitam reflexões mais profundas sobre a vida:

Ponyo (2008);

A viagem de Chihiro (2001);

Castelo Animado (2004);

Mundo dos pequenos (2010);

Memórias de Marnie (2014);

Olhos de gato (2020);

A caminho da lua (2020);

Da colina Kokuriko (2011);

Meu amigo Totoro (1988);

Luzes no céu (2017).

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    1. Pé D’Elboux, Gratidão pelo seu feedback e estímulo para que eu siga em frente com minhas reflexões e escrita. Abraços, Beatriz

  1. Também amo crianças e me senti dentro do seu texto! O que você colocou nele é a mais pura verdade. Fico admirada e feliz vendo como você escreve com profundidade sobre assuntos tão diversos!
    Tenho crianças em casa: cinco e tem mais dois chegando em breve. Moramos só eu e Luciano, mas a nossa casa continua sendo também dos filhos e netos… sempre foi adaptada a eles. Concordo com a sua colocação sobre o papel dos avós. Realmente é um amor sem medida, um sentimento que enche a vida da gente, uma grande Bênção de Deus. O meu amor pelas minhas netas e pelos meus netos que estão chegando, é o mesmo amor que sinto pelos meus filhos, mas é ampliado pela maturidade, pelo tempo disponível e por não ter mais que correr atrás de coisas, porque a vida já deu certo!
    Vejo que a pandemia afetou muito a vida das minhas netas: elas sentem falta dos amiguinhos, dos coleguinhas de escola… tiveram muitas perdas. A família tenta amenizar criando estratégias que valorizam as brincadeiras no núcleo familiar, jogos diversos, maquiagem coletiva, filmes e brincadeiras engraçadas, motivando com alegria e preenchendo o tempo delas, na espera da volta da vida normal.
    Beatriz, seu texto está cheio de boas ideias e com uma amorosa orientação. Parabéns. Adorei!

    1. Obrigada Maria José pela linda forma como você dialoga com minhas reflexões partilhando sua rica experiência e sabedoria. Aprendo muito com você também. Temos que criar espaços coletivos para que a família possa se fortalecer nesse momento de tantas perdas. Temos que ser criativos para que as crianças mantenham viva a sua alegria de viver, espontaneidade e potência de superação. Beijos, Beatriz

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