Por Simão Zygband
O Judiciário é uma caixinha de surpresa. Que o diga o surpreendente resultado que tornou o ex-juiz Sérgio Moro suspeito e parcial ao condenar o ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex do Guarujá, no litoral paulista.
Qualquer leigo sabia que Sérgio Moro era movido por interesse político de tornar Lula inelegível e ganhar uma fama que um juiz de primeira instância de Curitiba jamais teria.
Sobretudo quando veio a público as imagens do triplex, obtidas através da ocupação do imóvel, que o ex-juiz garantia no processo se tratar de um imóvel de alto luxo, com elevador privativo e repleto de mordomias, mas que estava totalmente inacabado e nem de longe lembrava a condição descrita por Moro no processo.
Moro se tornou suspeito de ter agido com parcialidade contra Lula, por 3 votos a 2, em julgamento realizado na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, com a mudança de voto de última hora da ministra Cármen Lúcia, quando o placar estava empatado em 2 votos a 2. Ela já havia votado anteriormente a favor do ex-juiz.
Mas o que levou a ministra Cármen Lúcia mudar o seu voto de última hora, tornar o ex- juiz Sérgio Moro parcial no julgamento e, de alguma maneira, beneficiar Luiz Inácio Lula da Silva, aumentando as chances dele ser candidato a presidência nas eleições de 2022?
A primeira e mais provável hipótese é que Cármen Lúcia tenha considerado de fato uma excrescência jurídica a maneira com que Sérgio Moro prendeu Lula, realizada de forma espetaculosa, com ampla cobertura da mídia.
O ex-presidente foi levado a na marra a Curitiba, mediante o instrumento da prisão coercitiva, bem aos moldes das piores ditaduras do mundo. O procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, que junto com ex-juiz armou a trama que rendeu 580 dias de prisão a Lula, disse que “não tinha provas, mas tinha convicção”.
A mudança de voto de Lúcia pode demonstrar também um esgotamento do STF, não somente com Sérgio Moro, um dos principais articuladores do golpe, mas também com Jair Bolsonaro, a quem facilitou a eleição exatamente para obter um cargo no Tribunal.
Até então, o STF vinha se mantendo como um mero passador de recibo dos interesses do governo de extrema direta de Bolsonaro. Tudo indica, com a suspeição de Moro, se tratar de sinais evidentes de que há setores conservadores descontentes com a o governo do capitão reformado. Aparentemente acabou a lua de mel.
Neste sentido, Cármen Lúcia representou fielmente o fim deste namoro entre o STF e o governo bolsonarista. A ministra, que por quatro vezes assumiu a presidência da República na ausência de Michel Temer, de quem era fã, já havia negado um habeas corpus ao ex-presidente Lula e mesmo tendo sido indicada por ele para o Tribunal, o manteve na prisão.
Logo após este episódio, Cármen Lúcia teve o seu prédio pichado e teria comentado com alguns assessores e um deles disse que havia ouvido dela o seguinte comentário: “Ele [Lula] não devia ter sido preso”.
Cármen já havia sido decisiva na prisão de Lula por ter posto em julgamento o habeas corpus negado a ele por 6 votos a 5, ao invés de pautar duas ações que impediriam a prisão de qualquer pessoa condenada por um tribunal de segunda instância, tema em que havia mais chance para Lula.
Também Cármen Lúcia demonstrou alguma dúvida na prisão do ex-presidente, enquanto ele estava detido na Polícia Federal de Curitiba, ao receber uma comitiva de juristas e personalidades, em que se encontrava Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do Nobel da Paz de 1980, João Pedro Stédile, líder do MST, Osmar Prado, ator global, entre outros.
No relato de um dos presentes, alguém que já tinha estado em reuniões com Cármen anteriormente, disse que a juíza mostrou-se “tocada”.
“Sei que vocês fazem isso pelo País, não por razões partidárias”, teria dito a juíza. E, no caso específico de Lula: “Vou pensar com carinho no que vocês disseram”, “vou ver o que posso fazer”.
Cada um que tire suas conclusões.
Foto de Tânia Rego/Agência Brasil