Construir Resistência
Foto: Arquivo pessoal

O poder do Taliban

Por Silvio Queiroz

Essa ofensiva fulminante do #Taliban até a conquista de Cabul, #embora muito mais rápida, lembra muito a primeira chegada deles ao poder. Em 1996, eles eram uma milícia recém-surgida no caos que se instalou no #Afeganistão ao fim da ocupação soviética, entre 79 e 89. Em 92, caiu o governo pró-Moscou – que, a exemplo do governo pró-americano que está sendo escorraçado agora, se apoiava em um exército de mentira.

Taliban é o plural de “talib”, palavra árabe que designa “estudante” – no caso, do islã. Eles eram “os estudantes” das escolas religiosas (madrassas) instaladas no vizinho Paquistão para atender os milhares de refugiados. Em especial, os filhos dos mujahedin, plural de mujahid (combatente de uma guerra considerada santa, ou jihad). A Arábia Saudita, patrocinadora das madrassas, difundia nelas a sua vertente do islã, o wahabismo, cujas marcas são o puritanismo e o apego literal ao texto do Corão e aos ditos do profeta Muhammad, os hadith.

Entre 92 e 96, o Afeganistão imergiu em uma guerra civil que lembra, em alguns aspectos, a vivida pelo Líbano entre 1975-90. A sociedade afegã, como a libanesa, é composta de comunidades religiosas estanques, embora sem o componente cristão. A esse quadro, se sobrepõe um mosaico de etnias: a principal delas, os pashtuns, é basicamente muçulmana sunita; na fronteira com o Irã vivem os hazaras, xiitas como os vizinhos; no extremo norte, uzbeques e tajiques, e entre eles adeptos do sufismo, a vertente mística do islã.

Como se fosse pouco, é uma sociedade estruturada em tribos e clãs, com os respectivos “chefes guerreiros”. Historicamente, a existência do que conhecemos por aqui como “governo central” é, no Afeganistão, uma construção bem menos nítida e efetiva. A tradição do país se expressa nas alianças entre os líderes de clãs e tribos. Coligados na resistência anti-soviética, os mujahedin explodiram em um caleidoscópio com a retirada dos ocupantes. Governos se sucediam ao sabor da construção e do rompimento de acordos entre os chefes de clãs. Com as cidades reduzidas à anarquia e as estradas entregues a salteadores, a austeridade dos “estudantes” foi recebida pela população com boas-vindas, ao menos inicialmente.

Soa algo artificial, e decididamente inócuo, “julgar” os parâmetros da sociedade afegã e do Taliban pela régua do Ocidente laico e racional, espelhado nos valores da Revolução Francesa. Certo é que se trata de um movimento – social, político, religioso e, afinal, ideológico – que desafiou 20 anos de ocupação pela potência global hegemônica. Não apenas sobreviveu: se reagrupou, recrutou combatentes e volta ao. poder, aparentemente, sobre bases mais sólidas que as do período inicial.

As cenas da retirada ocidental de Cabul lembraram a muita gente a fuga apocalíptica de Saigon (hoje, Hoje Chi Minh), em 75. Vietnã e Afeganistão guardam diferenças profundas, abissais. Em comum, um traço observado também no Iraque, na Síria e mesmo no Líbano: não existe receita nem experiência para construir “democracia”, ” liberdade” ou “progresso” de fora para dentro. Intervenções militares externas, por melhores que sejam as intenções invocadas – e a História ensina a sempre duvidar delas -, criam no máximo um cenário. Como no teatro: quando cai o pano, saem de cena personagens, figurino e maquiagem.

O roteiro de ficção dá passagem à realidade.

Silvio Queiroz é jornalista, nascido em SP e radicado desde 2004 em Brasília, onde publica aos sábados a coluna #ConexãoDiplomática, no #CorreioBraziliense. Hoje, aos 58 anos, integra a Coordenação-Geral do #SindicatodosJornalistasProfissionais do Distrito Federal (SJPDF). Iniciado na vida partidária em 1979, no #PartidoComunistadoBrasil (PCdoB), milita atualmente no #PT, na tendência interna Articulação de Esquerda.

 

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