O pastor de alambique

Por Mouzar Benedito 

Boa gente aquele seu amigo pastor… Mas que cachaceiro! Nunca vi pastor beber daquele tanto!

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Um dos meus grandes amigos, companheiro de beber umas cervejas nos finais de tarde, era o Mendes, sociólogo piauiense, meu colega de trabalho durante uns tempos.

Uma história que me lembro dele é que uma vez fui fazer um trabalho em Pirassununga e o presidente da Associação Comercial e Industrial da cidade me ofereceu uma mesa num salão, que seria meu escritório durante um pouco mais de um mês.

Fiquei admirado com uma coisa: ele tinha uma grande coleção de cachaças. Duas paredes enormes tinham prateleiras de fora a fora com cachaças de quase todo o Brasil. Pareciam ser bebidas muito boas, muitas delas com rótulos amarelados de tão velhos.

Eu cobiçava aquelas pingas.

Um dia falei com um empregado, tipo faz-tudo, da Associação Comercial: “será que a gente não podia abrir uma garrafa dessas com todo o cuidado, tomar a cachaça, colocar uma pinga comum nela e tampar de volta?”.

Ele respondeu: “não vale a pena”.

Perguntei porque e ele me disse: “antes de você, veio um colega seu chamado Mendes trabalhar aqui. Ele só trabalhava com um copo de cachaça na mesa, bebia direto. Fez isso que você propôs… Bebia cada garrafa, colocava uma pinga comum dentro e tampava de novo. Nem sei quais delas ele não abriu”.

Anos depois, outro amigo, o Manetti, me contou que uma época o Mendes pediu para passar uns dias numa casa que ele tinha num povoado chamado Pinheirinho, perto de Taubaté. Era um lugarzinho pequeno, com uma igrejinha, um campo de futebol, umas trinta casas, uma venda e um boteco.

O boteco tinha uma particularidade: um pequeno alambique. Uns fregueses bebiam a cachaça logo que saía do alambique, sem dar tempo pra ela descansar, nem nada.

Bom, o Mendes passou uns quinze dias no Pinheirinho. Conversava bastante com o povo e era freguês desse boteco. Ele aproveitou para ler as “Obras Completas de Shakespeare”. Quando não estava no boteco, estava num banco, debaixo de uma árvore, lendo o livro grosso, de capa preta. Um cara andando vestido formalmente, sempre com um livrão de capa preta debaixo do braço… os moradores ficaram curiosos sobre aquele livro, mas não perguntaram, acharam que só podia ser uma Bíblia.

Depois que o Mendes voltou, o Manetti foi passar uns dias lá e lhe disseram: “Boa gente aquele seu amigo pastor… Mas que cachaceiro! Nunca vi pastor beber daquele tanto”.

Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos

 

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