Por Sonia Castro Lopes
A atual reforma do Ensino Médio tão propagandeada pelo governo federal promete aumento da carga horária dos estudantes, adoção de uma base comum curricular e a escolha dos itinerários formativos por parte do aluno. Sabemos que essa reforma proposta pela Medida Provisória nº 746/2016 e transformada na Lei nº 13.415/2017 foi aprovada em regime de urgência num contexto de retrocesso político durante o governo Temer. Na verdade, a referida Lei promoveu alterações na proposta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em relação a essa etapa da educação básica e, embora o ensino médio no país seja responsabilidade dos estados, a sua estrutura e organização curricular obedecem a políticas estabelecidas pela União.
O currículo do “novo” ensino médio compreende dois blocos de conhecimentos: a) formação geral básica (comum a todos) que tem a duração de 1800 horas e abrange as competências e habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a saber: Linguagens e suas tecnologias, Matemática e suas tecnologias, Ciências da natureza e suas tecnologias e Ciências humanas e sociais; b) itinerários formativos – a parte diversificada do currículo com duração de 1200 horas e se definem como o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes poderão escolher de acordo com seu interesse e ainda aprofundar seus conhecimentos em determinada área. O estudante também pode escolher itinerários voltados à formação técnica e profissional ou cursar itinerários integrados que combinam diferentes opções, como duas ou mais áreas do conhecimento ou delas com a formação técnica e profissional.
A lei que rege a reforma tem por objetivo “tornar o currículo mais flexível, de maneira que atenda aos interesses dos alunos” e se alicerça em duas justificativas: a) a baixa qualidade do ensino médio ofertado no país; b) a necessidade de torná-lo mais atraente para os alunos, devido aos altos índices de abandono e de reprovação observados nessa etapa da vida escolar. Mas seria apenas o currículo desinteressante que levaria os alunos a abandonar a escola? Que dizer das escolas sucateadas, sem espaços culturais e esportivos, bibliotecas e laboratórios? Que pensar da ausência de planos de carreira para os profissionais da educação, especialmente os professores, sem salários dignos e submetidos a formas precarizadas de trabalho? E os alunos que, na faixa de 15-18, precisam trabalhar para ajudar a compor a renda familiar e têm que se ausentar da escola?
A crise no ensino médio é estrutural e cresce desde a década de 1970 devido ao aumento da demanda escolar e à vinculação direta desse nível de ensino aos interesses do sistema capitalista. Nesse sentido, cabe recordar a reforma de ensino de 1971 (lei 5692/71) que criou no lugar do antigo ensino médio um segundo grau compulsoriamente profissionalizante que nem aparelhava satisfatoriamente os jovens para ingressar no mercado de trabalho nem os preparava para dar continuidade aos seus estudos em nível superior. Inúmeros são os trabalhos que apontam o caráter de contenção dessa etapa do ensino ao nível superior, notadamente na rede pública que reúne estudantes pertencentes às classes sociais menos favorecidas.
A atual LDBEN (Lei 9394/1996) trouxe algumas mudanças. O segundo grau voltou a denominar-se ensino médio, agora bifurcado em formação geral e ensino médio técnico, havendo possibilidades de integração entre as duas modalidades. Algumas ações foram realizadas para articular as duas modalidades de ensino médio, ainda assim insuficientes, visto que uma perfeita integração demanda recursos para manter um currículo que possibilite uma boa formação profissional sem descurar do caráter humanista e isso só seria possível se pensarmos em escolas de tempo integral com professores experientes e bolsas para alunos carentes, haja vista que grande parte do público atendido pelo ensino médio precisa trabalhar para sobreviver. Como os recursos vêm prioritariamente do Banco Mundial, esse modelo de escola dificilmente teria condições de ser implementada em larga escala. Aí reside o dilema que torna o ensino médio a etapa mais problemática do nosso sistema educacional.
A atual reforma do ensino médio empobrece consideravelmente o repertório de conhecimentos dos estudantes, além de subtrair e/ou minimizar do currículo escolar disciplinas como filosofia e sociologia enfraquecendo deliberadamente a visão crítica dos jovens acerca dos problemas sociais e econômicos enfrentados pelo país. As únicas disciplinas oferecidas obrigatoriamente nas três séries são língua portuguesa e matemática; as demais aparecem apenas em duas séries. Ao diminuir a carga horária da parte geral do currículo, a reforma vai acentuar o abismo entre o ensino nas escolas privadas e nas públicas (que vão oferecer apenas o mínimo exigido por lei), acirrando consideravelmente a desigualdade educacional.
O golpe de 2016 criou as condições para que a MP e a atual lei prosperassem , assim como também ocorreu com o conjunto de políticas econômicas, culturais e trabalhistas durante a gestão Temer. Como se não bastasse, a última eleição presidencial nos legou um governo que subtrai recursos de áreas prioritárias como a educação para injetar verbas em campanhas eleitorais ou alimentar os partidos que o sustentam politicamente. Nesse contexto, a reforma passou a ser divulgada como a solução para os problemas do nível de ensino que define a trajetória profissional e acadêmica dos jovens brasileiros. Mais uma aposta errada.