Por Adriana do Amaral
A perseguição e morte de Lázaro, o bandido brasileiro, evidenciou a incompetência da polícia nacional. Isso mesmo. Eu confesso que desconhecia que no Brasil vivia um criminoso em série. E por que ele reinou absoluto? Por que ele matou, estuprou e praticou os crimes associados a ele? Porque a polícia não foi capaz de detê-lo. Fato incontestável.
Ele viveu cometendo crimes por razões que desconheço e conseguiu escapar da prisão três vezes. Seria doente? Seria um pessoa má? Seria “pau mandado”? Também não sei responder. O que sei é que houve uma caçada humana, invertendo a lógica da Justiça.
Lázaro Barbosa de Sousa, 32, tinha de ser preso, punido, mas não assassinado em cadeia nacional. Ele deveria ser julgado, condenado e tido a oportunidade de pagar pelos crimes que cometeu.
Na perseguição que culminou na sua morte, na segunda-feira (28), não foi dada a chance de sobrevivência. Foram disparados 125 tiros no abate, segundo policiais. Trinta e oito deles acertaram o alvo.
A perseguição durou 20 dias envolvendo recursos ilimitados e diferentes polícias, inclusive bombeiros. Novela da vida real onde a mídia sensacionalista se esbaldou, e os brasileiros viveram um reality show em forma de bang-bang. O governador Ronaldo Caiado exaltou a eficiência da “melhor polícia” enquanto o presidente da República celebrou mais um “CPF cancelado”.
Dizem que Lázaro sabia demais. Eu não posso afirmar, mas eu posso argumentar que ele seria preso vivo, se a polícia – e as autoridades – assim o quisessem. Ao matá-lo, os policiais criaram uma lenda: o serial killer brasileiro.
O tenente-coronal Pedro Henrique Batista, da Polícia Militar de Goiás, justificou que o matador teria ameaçado os policiais. “Deixou indicativo de que não se entregaria às forças policiais… “. Seria a senha para matá-lo? O secretário de segurança pública do estado, Rodney Miranda, deu a resposta: não tivemos outra alternativa senão reagir, embora nenhum policial tenha sido atingido.
Finalmente livre
Imagino se Lázaro tivesse sobrevivido. Como seria a sua história de vida. Pegaria prisão perpétua? Morreria na cadeia? Seria adorado por uns e odiado por outros?
Lázaro não era um homem bom, e não sou especialista para analisar a sua personalidade. Talvez nunca saibamos a verdadeira história desse bandido brasileiro. Eu me pergunto: ele teria sobrevivido à #Covid-19 na prisão?
Nada justifica os crimes cometidos por Lázaro, nem a sua morte aliviará a dor das vítimas e seus familiares, mas vivemos um momento em que é preciso refletir sobre a realidade que estamos vivendo no Brasil. Onde queremos chegar nesse país onde as injustiças são diárias, o conflito entre o bem e o mal se evidencia e onde criminosos com dinheiro conseguem benesses judiciais e suspeitos pobres são condenados à morte diariamente nas ruas, favelas e até condomínios de luxo?
Morrendo aos poucos
Nesse momento pandêmico brasileiro, onde instituições e autoridades também estão sendo julgadas pela população, vidas de pessoas em situação de cárcere, condenadas ou esperando julgamento, estão sendo ceifadas em consequência das condições carcerárias, num ambiente favorável ao contágio da #Covid-19. Apenas nos primeiros 67 dias deste ano, de acordo com o #CNJ (Conselho Nacional de Justiça), registrou-se o aumento de 190% nas mortes de presos e de servidores do sistema penitenciário pelo Brasil.
A #PCN (Pastoral Carcerária Nacional) ao lançar, em 22 de janeiro, o relatório A pandemia da tortura no cárcere denunciou a realidade perversa vivida pelos presidiários. Os jornais Folha de S. Paulo, O Globo e portal Brasil de Fato, de linha editoriais diversas, evidenciaram o drama dos presos brasileiros que vivem da exposição ao vírus à intensificação da violação de direitos ao longo dos últimos meses.
Desde o início da #pandemia no Brasil o #IAL ( Instituto Anjos da Liberdade) alerta para a precariedade do encarceramento nos presídios e os riscos de contaminação, adoecimento e morte em decorrência da #pandemia da #covid-19. A advogada criminalista Ana Julia Rodrigues Tozzo disse-me, em entrevista:
De modo geral o Estado é falho e descumpre a própria lei. Falta aos presos tratamento adequado e oportunidades de profissionalização visando o crescimento. Colocar as pessoas marginalizadas num depósito humano não resolve, mas só piora o problema. Isso, há um ano!
O #MDJL (Movimento Dignidade, Justiça e Legalidade), ligado ao IAL, defende não apenas o direito dos presos, mas dos familiares das pessoas em situação de cárcere. “O Estado na verdade faz o contrário do que deveria, ele beneficia quem tem dinheiro, independente de sua culpa quanto à crimes praticados contra a própria sociedade e sua administração, e coloca em celas de concentração de pessoas marginalizadas, no sentido de que vivem à margem da sociedade. Pessoas que entram pelo crime e se tornam despersonalizadas, crentes da indignidade humana, o que dificulta a ressocialização e consequentemente a baixa nos índices de criminalidade e reincidência e, consequentemente, na qualidade e segurança pública”, denuncia a advogada.
Some-se a isso o preconceito vivido tanto por quem está atrás das grades quanto aqueles que convivem com familiares presos. Na cadeia, homens perigosos convivem com outros que praticaram pequenos delitos e também inocentes, vítimas de exclusões distintas, que aguardam julgamento ou não tiveram um julgamento imparcial.
Até julho de 2020, haviam sido registradas 13.778 ocorrências de #Covid-19 no sistema carcerário brasileiro, de acordo com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ). Tanto servidores como presos adoeceram.
Dados recentes registram 450 mortes por #Covid-19 nos presídios e cadeiras, sendo 237 agentes penitenciários. De acordo com o Monitor da Violência, foram contaminados pela #Covid-19, durante a #pandemia, 57.247 presos e 10.361 agentes penitenciários.
“Me surpreende que precisemos de uma pandemia para entender que prendemos mais do que o necessário”, afirma, o professor, criminalista, Pierpaolo Cruz Bottini, livre-docente do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP. “Não vejo movimento pela impunidade, vejo razoabilidade, legalidade e aplicação eficaz da pena. Soltar as pessoas que não deveriam estar presas não aumenta a criminalidade”.
A morte de Lázaro e as inúmeras mortes entre os encarcerados e os servidores em presídios e cadeias reacendem a discussão sobre a precariedade dos direitos de pessoas encarceradas e acusados de pequenos delitos aos crimes violentos. É preciso discutir alternativas que ao mesmo tempo garantam a segurança da população e dos presos. Afinal, a responsabilidade pela vida sempre será do Estado.
Lázaro preso não teria sido um exemplo de competência policial anda maior?
Nota da autora:
Lazarento é um adjetivo ligado à doença, a lepra, mas também que designa uma pessoa terrível. Na Bíblia, Lázaro foi aquele que ressuscitou, num dos milagres de Cristo.
Na mochila, Lázaro, o bandido morto, levava itens de sobrevivência, que além de um revólver calibre 38 e munição incluía macarrão instantâneo, bolacha, uma cebola, isqueiro e dinheiro. Tudo indica que ele teria preferido viver.