Por Sebastião Nicomedes
Latidos.
Quando encosta um Santana cor escura, desce gente do banco do carona. Descem os do banco de trás.
A cachorrada e cães eriçados, num alvoroço como nunca jamais viu antes.
Fazia muito frio.
O Anjo. esfregando os braços, soprando bafo quente. Brincando de fazer fumaça.
E foi quando reparou na filha da Maria Louca dando uns chacoalhões na mãe.
Chama atenção a quantidade de cachorros. Elas duas têm, sete… oito vira latas.
– Mãnheee! Acorda mãe, pelo amor de Deus!
– Que? – Temos que fugir daqui. Depressa.
Nem deu tempo de racionar, de arrumar as coisas. Catar o carrinho de mercado com as tralhas que tinha dentro. Reunir a cachorrada.
Saíram atropelando o que tinha pela frente. Fugindo e dando o alarme: mete o pé.
E, de repente, repetiam por toda a #PraçadaSé e os arredores:
– Mete o pé, maloca!
Os que ficavam para trás entraram e desespero.
De repente o triângulo #CentroHistórico de #SãoPaulo era uma correria generalizada dos #semteto.
Pegos de surpresa. Sem um plano de fuga. Para onde ir?
Em meio ao salve se que puder, o Anjo saiu também em disparada. Berrando aos quatro cantos:
– Fujam. Estão matando #moradorderua. Fujam!
Ele mancando da perna, com a fisgada que sofreu a virilha, preocupado. Cuidando em não perder de vista as duas Marias e os cães.
Descem por ladeira da #SecretariadaFazenda, atravessando a ponte pra lá #AvenidaRangelPestana. Embrenhar por vielas rumo à #IgrejaMundial onde costumavam tomar sopa.
Dar de cara com uma pequena praça, por debaixo das linhas do #MetrôBrás. Tem mais #povodarua ali, se esquentando à beira de fogueiras improvisadas com caixotes.
O Anjo, que não teve tempo de acudir ninguém, olhos arregalados e a consciência pesada. Sabendo que a essas alturas teriam pessoas mortas pelo caminho.
Lembrava do Santana preto, mas e a placa? Qual era mesmo?
Burro! Nem pra anotar num papel.
Esbofeteava a cara barbuda querendo acordar do pesadelo.
Era 19 de agosto.
De 2004.
Só o que sabia… e nada mais podia fazer.
Restando somente o uivo dos cachorros. Como lobos, se comunicando ao longe.
Agonizante…
Angustiante.
Imagens: Reprodução
Nota do Autor:
Foram dois ataques. O primeiro ocorreu em 19 e o segundo em 22 de agosto. Sete morreram na rua, a oitava dias depois, na UTI de um hospital.
22 pessoas feridas.
Com o passar do tempos outras quatro testemunhas foram assassinadas.
O crime segue sem solução…