O luto não termina, se transforma

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Por Fernando Chiavassa

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Acervo pessoal

Quando meu pai morreu – de um resfriado a uma embolia – eu, que já tinha chorado muito, emudeci.

Há 32 anos, a imagem do meu irmão de fronte às Clínicas, com os braços cruzados, foi decisiva.

Algumas horas depois, revi a janela da sala de onde meu pai olhava para o mundo. Revi, também, a poltrona onde ele enrijeceu, sem que eu pudesse fazer nada. Não sento mais nessa poltrona, mas ainda vejo o mundo dessa mesma janela. Depois, ajudei a levar um terno dele ao IML, para vestí-lo. Estas imagens são quase impossíveis de descrever.

Saí rápido desse edifício mortal e naquela madrugada fria, já do lado de fora, pedi ajuda. Enquanto olhava para uma garoa fina (contra a luz dos postes da avenida Eneas de Carvalho Aguiar), eu entendi que tinha perdido algo irrecuperável. Sentia (e ainda sinto) algo indigesto: estava aprendendo que o luto não termina.

E, pela primeira vez, me senti exilado: estava num lugar onde não havia mais familiaridade com nada; onde não havia mais comunicação; apoio; nada. Começava uma época, onde apenas o tempo avançava frio como caia aquela garoa escura. Mas, olhando melhor, tinha algo diferente.

A garoa tinha um brilho singular. E algo me ajudou a entender que o brilho dessa garoa expressava uma mensagem que meu pai deixou, de esperança, contra a gravidade da existência. Amarelo. Aquele amarelo brilhante em movimento, mesmo em queda, era bom. Em cenas sucessivas, o amarelo permanecia e se repetia, sem acabar.

O luto não termina, mas se transforma. Depois disso, procuro esse brilho o tempo todo, em todos os lugares e em todas as pessoas. E tento – mais do que escrever, mesmo falar – estar presente junto das pessoas amadas, com meus filhos e amigos, para dar calor num abraço e num olhar, transmitir um brilho amarelo.

Sol, muito sol, mesmo que a garoa continue caindo e meu pai se transformando.

Abraço, pai!

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Fernando Chiavassa é arquiteto, escritor e professor

 

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