Construir Resistência
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O imbróglio político-sanitário

Por Nelson Nisenbaum

Advertência: o texto abaixo reflete a opinião do autor e não pretende monopolizar qualquer verdade, e sim, através da experiência pessoal vivida, contribuir para o debate e a compreensão dos temas abordados. Críticas aos argumentos são bem-vindas, críticas pessoais nem tanto, para os fins desta matéria.

Vamos sintetizar alguns pontos para melhor compreensão do debate em torno da atuação da ANVISA no campo das vacinas contra a COVID-19.

1) A Rússia começou mal com a Sputnik-V. Fez o registro em sua agência sanitária sem testes de fase 3 e propagandeou isso pelo mundo na voz de Putin. Aliás, o próprio nome Sputnik resgata a simbologia da guerra-fria. Mau caminho.

2) A Rússia não tem sido transparente, na voz do Instituto Gamaleya e isto vem sendo apontado em diversos locais.

3) A Rússia nunca foi um exemplo de transparência. Mas apontar a falta de transparência com base na negativa de se fiscalizar, filmar, fotografar e interagir com todo o aparato técnico-industrial do Gamaleya não me parece honesto. Duvido que qualquer indústria de biotecnologia compartilhe de boa vontade todos os detalhes de seus processos.

4) Foi relatada a presença de adenovírus replicante na Sputnik-V. Fato.

5) Tudo isto faz da vacina Sputnik-V uma vacina ruim? Aparentemente não. Até o momento, pelo menos por parte de Argentina, Chile e México, para nos atermos aos vizinhos mais próximos, não foram reportados efeitos adversos importantes desta vacina. O que podemos afirmar sem muita margem para equívocos é que os moldes técnicos e comerciais da Rússia não se amoldam aos do lado de cá, por sua vez, muito guiados por políticas do FDA, não necessariamente os melhores se examinarmos os problemas que os EUA enfrentaram com fármacos nas últimas décadas.

6) O que eu penso sobre a Sputnik? Penso que é uma vacina no mínimo tão boa quanto qualquer outra. Não fosse assim, já saberíamos pela quantidade de doses já aplicadas no mundo. Se eu tomaria esta vacina? Sim.

Sobre a ANVISA

1) A ANVISA é um órgão de estado com poder e dever de regulamentar tudo aquilo que se refere ao mundo sanitário de nossa República, com poder de polícia.

2) A ANVISA adota parâmetros técnicos rigorosos e tem um corpo técnico altamente experiente e qualificado.

3) O conjunto de normas e regulamentos é fruto de escolhas de humanos organizados em coletivos, e portanto, é uma instância política que usa a ciência como ferramental de trabalho, como deve ser. Mas a ciência não faz escolhas, ela informa sobre o melhor conhecimento disponível. As pessoas fazem escolhas.

4) A ANVISA, infelizmente, não é uma agência independente, como se desejaria. Ela sofre pressões políticas e administrativas de seus dirigentes, indicados pelas instâncias políticas eleitas pelo voto popular. No momento, a ANVISA é presidida por uma indicação pessoal do Presidente da República, no caso, e de forma inédita, um militar e fanático religioso, sem experiência no campo sanitário. Não há que se duvidar que lá está para cumprir um papel político e prestar contas a quem o indicou.

5) Até hoje, o Brasil não enfrentou, desde o nascimento da ANVISA, uma catástrofe sanitária do porte da pandemia de COVID-19. Assim, enquanto “exército”, nunca enfrentou uma guerra. E a pautar-se pelos regulamentos elaborados em tempos de paz e para a paz, não está preparada para a guerra.

6) A ANVISA acerta sempre? Tem o monopólio da verdade? Seus regramentos oferecem sempre o melhor para toda a sociedade? Como médico atuante, penso que nem sempre, com todo o respeito pelo patrimônio já construído.

7) A ciência acerta sempre? Tem solução para tudo? Evidentemente não. A ciência só responde ao passado, sobre o que já foi feito e estudado. Há situações onde o futuro demanda respostas que a ciência pode no máximo prever com alguma margem de precisão. Prova disso é que muitos medicamentos e produtos médicos desenhados e aprovados por agências reguladoras foram retirados do mercado depois de caírem no “mundo real”, algo bem maior do que o pequeno campo de provas que fomenta a informação científica. Uma coisa é testar alguma coisa em 30.000 casos ou pessoas. Outra coisa é o produto cair no mercado de milhões de consumidores. Então, as agências falharam ao autorizar produtos que depois foram banidos? Não. Fizeram o certo. Aprovaram com a informação DISPONÍVEL no momento da aprovação e perseguiram resultados posteriores com a VIGILÂNCIA.

8) A ANVISA criou problemas só para a Sputnik-V? Não. Todas as vacinas que fizeram submissões não obtiveram o resultado positivo de início. Isto causa estranheza, pois, instituições como o BUTANTAN certamente sabem como fazer a requisição. As sucessivas idas e vindas mostram que algo não dá certo na comunicação da ANIVSA com as indústrias.

9) A ANVISA errou com a Sputnik? Tecnicamente penso que não, mas politicamente sim. Alegam falta de informação. Ora, com falta de informação hábil o correto é a REJEIÇÃO “DE PLANO”, ou seja, sem análise de mérito. A ANVISA fez análise de mérito com informação incompleta.

10) A presença de vírus replicante é justificativa para a rejeição? Ao meu ver, em se tratando de um adenovírus humano conhecido que será injetado em território diferente de seus alvos naturais, não representa ameaça significativa à saúde humana, o que se verifica pelo fato de não haver relatos de efeitos adversos importantes em milhões de vacinados.

11) O que deveria ser feito? Na minha modesta opinião, já que no documento oficial da ANVISA consta o termo “NÃO RECOMENDAMOS A IMPORTAÇÃO”, a vacina deveria ser importada por quem se interessar, pois “não recomendação” não significa proibição. Só não se pode fazer o que a lei proíbe, no estado democrático de direito. Eu importaria a vacina e a submeteria a um estreito programa de vigilância farmacológica, produzindo assim os estudos e informações que talvez os Russos, por excesso de confiança no seu produto, ou por terem uma política de segurança mais frouxa que o FDA (que norteou a ANVISA).

12) Devemos confiar na ANVISA? Sim, mas não como bem absoluto e sagrado. Certamente, para o momento que vivemos, a ANVISA vem trazendo atrasos a problemas mais que urgentes. Se certos procedimentos no momento representam RISCOS, o atraso representa MORTE CERTA, e como disse anteriormente, a ANVISA não tem protocolo de guerra, só de paz.

13) Por último minha sentença de condenação à ANVISA. Enquanto poder de polícia sanitária, a ANVISA deixou de cumprir o seu papel na CENSURA PÚBLICA, VEEMENTE, acompanhada de INTERDIÇÃO dos poderes da República que promoveram, propagandearam e comercializaram o KIT COVID, que certamente produziu prejuízos irreparáveis em termos de VIDAS, custos pessoais e danos aos sistemas de saúde do Brasil, constituindo-se como o maior crime sanitário de nossa história.

Conclusão:

“Tudo é física. O que não for física, pertence ao campo da política”. (o autor)
“That’s all physics. If it’s not physics, it’s about politics”.

Nelson Nisenbaum, 60 anos, médico, escritor e ativista, especialista em Clínica Médica e Psiquiatria Clínica, trabalhou 25 anos no SUS em medicina de urgência e emergência, foi delegado do CRM em São Bernardo do Campo e Diadema, foi membro do Conselho Municipal de Saúde de SBC. Atualmente atende em Consultório particular.

 

 

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