Por Virgilio Almansur
Nosso governo encarna integralmente o ato discricionário e assassino contemplado em 13/12/68. É a personificação do AI-5, aquele que mais autorizou os extermínios nos porões da ditadura e gerou esse esquadrão da morte miliciano que ocupa Brasília.
Numa esquina de Recife, vi aquilo que Pedro Aleixo alertou Costa e Silva na tarde de 13/12/68: “… Presidente! O maior problema de seu ato é o guarda da esquina…” Vi, estupefato, a ocorrência — muito mais que as recorrências sem esquina… Vi ali, aquilo que Aleixo predizera quando somos representados pela incorreção instituída a autorizar, institucionalmente, o arbítrio, as execuções, o morticínio, os extermínios…
Doeu-me muito aquela cena! Desde ontem sinto-me aviltado, penso em Edson Luís executado no Calabouço, primeiro “morto público” da ditadura 64-85; cenas da crueldade sádica me tomam e percebo o sentido cada vez mais certeiro do vice Aleixo que teve seu irmão quase esquartejado pelos militares, vindo a falecer das sequelas da tortura, no mesmo ano que Pedro, que servira ao golpe…
A chegada da PM — como um bando armado! — àquela esquina recifense encontra dois ciclistas. Um deles é empurrado a cacetete… O outro, vestido de branco, parece perguntar algo; é forçado se conduzir à ponte, e, calmamente, empunhando sua bike, segue com ela. Os tiros são desferidos! Um dos policiais aponta para o rapaz, que lamentavelmente olha para trás e leva um petardo no olho. Desesperado, cai no chão gritando de dor. Há mais policiais que estacionaram suas motos e não o socorrem…
Um carro da PM chega até a ponte, poucos metros do ferido. Os covardes militares saem da cena aos gritos selvagens de uma missão cumprida e a van da PM também se afasta… A barbárie é registrada por câmeras de recifenses no alto de seus apartamentos bem como por trás do bando da PM. É o exato instante em que o alerta de Aleixo se concretiza e quando podemos ver, em imagem e som, ao vivo e a cores, o desastre do extermínio por quem se sente autorizado pela autoridade máxima do país.
Impossível não termos a convicção de que estamos sendo eliminados! É claro e evidente que perdeu-se o controle de tudo. Inclusive das forças. Não há remédio no horizonte que possa sustar os abusos cometidos de cima a baixo. Eles são recorrentes!
Naquela esquina, fartamente publicada e registrada, está o elemento que une a institucionalização da bandidagem, do milicianato e de um modus operandi vil e assassino — marca inconteste desse desgoverno desastrado e irresponsável.
Cada vez mais vemos as digitais desse esbulho militar que gera inconformismo naqueles minimamente preocupados como Pedro Aleixo se mostrou em dezembro de 1968. Estamos sendo torturados, não mais nos porões… Estamos sendo destruídos a céu aberto, aos olhos impotentes da gente incapaz de esboçar reação à altura. Até quando?
Virgílio Almansur é médico, advogado e escritor.