O General e os esqueletos no armário

Por Silvio Queiroz

O sarcasmo do general Hamilton Mourão me convenceu a voltar ao assunto dos crimes cometidos pelas Forças Armadas durante a ditadura militar de 1964-85. “Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, riu o vice de Jair Bolsonaro – o capitão-presidente que exalta a tortura e idolatra seu símbolo maior, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

De cara, o jeitão “espirituoso” do comentário escancara o quanto os militares se sentem à vontade para tripudiar sobre a sociedade civil em sua busca da verdade histórica. É disso que se trata quando o assunto são os áudios revelados de audiências sigilosas do Superior Tribunal Militar (STM). Ali, nos registros oficiais, está o reconhecimento explícito de que, sim, houve tortura e outros crimes contra a humanidade nos órgãos de repressão do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Mas, como de costume, a confiança em excesso acaba traindo os desvãos secretos de quem a exerce. E o general-candidato, na ousadia da galhofa, acaba falando dos fantasmas que trata de manter trancados no seu armário. Inclusive, e principalmente, dos presos políticos assassinados e desaparecidos.

“Apurar o quê?”, debochou o vice-presidente, respondendo à imprensa na entrada do Planalto. “Os caras já morreram tudo (sic), pô!” Pois é, general, “os caras” morreram. Impunes. Um deles, por sinal, agora no meio da Páscoa. Sobre julgamentos e penas para além da vida, cada qual tem as próprias crenças. Mas a história é imortal.

Do lado de cá desse umbral, importa saber o que “os caras” fizeram. Tudo que fizeram. Aliás, falta saber direito quem são todos “os caras”. Com nome e sobrenome. Quem fez e quem mandou fazer. E quem fez que não via e não sabia.

Eu poderia falar mais de um deles, que conheci no mais íntimo possível. E até hoje não sei bem o que fez no inferno da Oban/DOI- Codi de São Paulo. Nem se mandou fazer alguma coisa. Mas sei que via e sabia o que era feito. Eu, na época, era criança e não sabia de nada.

Podia falar, mas já falei umas tantas vezes e não queria ter voltado ao assunto. O sarcasmo do vice-presidente me obrigou a olhar de novo para o meu fantasma “pessoal”, trancado também no armário do general e dos camaradas dele.

 

Foto em destaque: Acervo online sobre a história da ditadura no Brasil / Hypeness

Silvio Queiroz é jornalista, militante do Partido dos Trabalhadores, diretor do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal. Filho de funcionário do Exército que serviu de 1969 a 1973 na Oban/DOI-Codi de SP.

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