O favorito dos nem… nem…

Por Sonia Castro Lopes

Há pouco mais de um ano publiquei um texto bem humorado sobre a orfandade da classe média do Leblon em relação ao ex-ministro Sérgio Moro. Citei o Leblon porque é o bairro onde moro e melhor consigo perceber essa tara que os habitantes tinham (e ainda têm) pelo rábula que adquiriu notoriedade graças ao seu elevado senso de oportunismo e falta de ética.

Por ser um dos bairros mais valorizados da zona sul, o Leblon congrega boa parte da elite carioca. Mas há também uma classe média que pensa pertencer à elite e se apavora diante das conquistas dos trabalhadores que conseguem (ou conseguiam) ir à Disney ou ver seus filhos ingressarem em boas universidades graças às políticas afirmativas implementadas pelos governos que tanto criticam. Em resumo, sentem-se superiores e mimetizam os gostos e hábitos da classe que ocupa o andar de cima na pirâmide social.

Na ocasião, os eleitores de Bolsonaro já demonstravam arrependimento pela  escolha que haviam feito, especialmente aqueles que odiavam o PT e Lula por causa dos ‘malfeitos’ e da ‘corrupção sem precedentes.’ Diante das grotescas lives semanais do capitão, baixava um espírito liberal-democrata que os fazia correr às janelas para manifestar seu protesto batendo panelas. Transcrevo aqui alguns excertos do texto original para que o distinto leitor compreenda minha argumentação.

 

(…) Após as falas do Presidente na TV, percebi que não era a única a bater panelas no meu prédio. Na janela ao lado, meus vizinhos me superavam, aos gritos de ‘Fora Bolsonaro, acabou pra você! (…) E logo o senhorzinho do andar de baixo e seu neto se juntavam a nós. A gritaria se agigantava: ‘Fora Bolsonaro! Genocida! Assassino!’ Eu estava em êxtase! Enfim, a companheirada do Leblon estava ali, eram meus vizinhos… (…) Animada, resolvi colocar minha caixinha de som na janela e, em altos brados, acionei Bella Ciao, hino antifascista. Aplaudidíssima. Até os vizinhos da frente, moradores de prédios com amplas varandas, classe AA, vieram bater panela. (…) Entusiasmada com as recentes adesões, gritei: Fora Bozo! Fora Moro! Foi então que os ‘aliados’ me olharam espantados e corrigiram: ‘Não! Fora Bozo! Moro não!’ A ficha, enfim, caiu. Que companheirada, que nada. Eu estava rodeada de bolsonaristas arrependidos que queriam se livrar da Besta, mas prezavam o caçador de corruptos. (1)

 

A despeito das revelações da Vaza-Jato e da operação Spoofing que trouxeram à tona as irregularidades do processo movido contra o ex-presidente Lula, os moristas juramentados continuam insistindo nos “crimes” do PT e qualificando Lula como “chefe da quadrilha.” É difícil fazê-los entender que os processos contra Lula foram anulados e, portanto, não existe mais condenação. Diante de uma série comprovada de irregularidades, o STF, ainda que tardiamente, fez justiça. Embora tenha sofrido processos em diferentes instancias da justiça, o ex-presidente foi condenado somente na jurisdição do juiz Sergio Moro, coordenador da Força Tarefa da Lava-Jato e pelo TF4. Nos demais processos não houve condenação e, por isso, Lula recuperou seus direitos políticos.

Para muitos adeptos do nem… nem… Sérgio Moro é hoje o único nome que pode romper com a polarização entre Lula e Bolsonaro nas próximas eleições presidenciais. Morando nos Estados Unidos desde que ingressou na iniciativa privada como consultor da americana Alvarez & Marsal, o ex-juiz veio ao Brasil para avaliar as possibilidades de sua candidatura à presidência ou ao Senado. Segundo pesquisas já realizadas ele teria 10% do eleitorado garantido, antes mesmo de ter-se declarado candidato, contando com o apoio de parte dos eleitores de Bolsonaro e a grande maioria anti-Lula.

O ex-ministro da Saúde Luis Henrique Mandetta é um dos que defendem uma possível aliança do novo partido União Brasil (resultado da fusão do DEM com o PSL) com Moro para as eleições de 2022. Os próceres do PODEMOS também apostam que Moro aceitará disputar as eleições para presidente em 2022, tirando do páreo Álvaro Dias que já declarou não desejar ‘ser obstáculo para ninguém’.

Diante das evidências, a imprensa hegemônica que capitaliza como ninguém os anseios das classes que lhes prestam vassalagem, já começou a se pronunciar. O artigo de Bela Mengale hoje em O Globo nos dá a ideia de como a grande mídia se posicionará para evitar a “polarização” anunciada para 2022. Diz a colunista que “Lula e Bolsonaro têm algo em comum.” Ambos confessam a seus interlocutores que Sergio Moro é o nome que gostariam de ver como ‘a terceira via’ nas eleições de 2022. “Bolsonaro costuma afirmar que deseja a candidatura do ex-juiz à presidência para Moro ‘ver o tamanho que realmente tem’. O presidente diz que seu ex-ministro iria angariar menos votos do que ele acredita ter. Já os interlocutores de Lula afirmam que o petista deixa claro que gostaria de encarar um debate político com seu algoz na Lava-Jato.” (O Globo. Eleições 2022, 8/10/21)

Na verdade, o ex-juiz ainda não decidiu se vai se lançar ao Palácio do Planalto. Esteve aqui conversando com os prováveis articuladores de sua campanha, mas já retornou aos Estados Unidos para consultar a família e só baterá o martelo sobre seu futuro político em novembro. Desesperados, os liberais de plantão estão à procura de um nome que represente a terceira via capaz de derrotar os ‘extremistas.’ Dória/Leite, Mandetta e Pacheco são alguns políticos que estão no páreo representando a centro-direita. Abrirão espaço, caso a candidatura Moro se confirme? Batalharão por uma frente ampla em torno do nome do ex-juiz? Enquanto Ciro se mantém no limbo, flertando ora com a direita, ora com a esquerda, Lula lidera as pesquisas seguido pelo capitão que, embora enfraquecido, conta com um eleitorado fiel. É bem verdade que estamos a um ano do pleito e muita coisa pode mudar, mas, por enquanto, parece que a terceira via “não passa de uma quimera dos donos do poder.” (2)

 

Notas da Autora

(1) O texto em questão “Ora direis, bater panelas…” foi publicado originalmente em junho de 2020 no Quarentena News.

(2) Carta Capital. Ano XXVII, n. 1178, 13/10/2021.

Arte: Cláudio Duarte exclusivo para o Quarentena News.

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