Por Alexey Dodsworth Magnavita de Carvalho
Caminho pelo Zaffari, faço compras.
Um menino franzino de 12 anos se aproxima:
– Moço, o senhor me compra uma lata de leite pra ajudar minha mãe?
Compro.
Noto que ele tem um hematoma no olho.
No caixa, uma moça uniformizada se aproxima. Se identifica de uma forma quase hermética: faz parte do serviço social de esclarecimento etc etc e gostaria de me alertar sobre as consequências de estimular pedintes etc etc, as crianças pedem e depois vendem pra comprar crack etc etc.
Pergunto:
– Você é assistente social?
Não é.
Ela é o quê?
Funcionária de empresa contratada pelo mercado para dissuadir compradores de doar comida para pedintes.
Claro, ela está cumprindo o papel dela, e o faz bem. Esclarece o que eu já sei.
Sim, eu sei que aquele menino provavelmente está sendo usado para pedir coisas que provavelmente serão vendidas. Farão o quê com a grana?
Não sei.
E também não sei o que fazer.
A única coisa que eu sei é que não sei dizer não pra uma criança que me pede uma lata de leite pra ajudar a mãe.
E se for verdade?
Pior: e se for mentira e aquele soco no olho tiver sido dado pelo adulto que o explora, zangado pela pouca produtividade?
É um dilema, não há resposta certa.
Eu compro o leite.
Na saída, encontro o garoto. Ele está agarrado na lata de leite, como se fosse um tesouro.
Pergunto: alguém te bate?
Ele garante que não. Mas o hematoma está lá.
Peço: pode me dizer a verdade. Você vai vender o leite?
Esclareço que, se ele for vender, eu não tenho nada com isso. Eu dei o leite, ele faz o que quiser.
Ele insiste e garante que não. Diz que a mãe trabalha, e que ele está tentando ajudar. Se mente, mente bem.
Não sei de nada, só sei que ele incomoda o supermercado, o hematoma em seu olho não parece incomodar ninguém, e mais incomodado fico eu em ser abordado por um adulto pra me explicar o que eu já sei: dar o leite não resolve.
Não dar o leite também não resolve.
Vamos todos morrer e o mundo caminha para sua destruição.
Sempre vou dar o leite.
Sorry, Zaffari.
Alexey Dodsworth Magnavita de Carvalho é filósofo, escritor e roteirista de história em quadrinhos e acadêmico dedicado a pesquisas sobre futurismo e astronomia