O Dia Nacional da Consciência Negra e o debate sobre racismo nas escolas

Sonia Castro Lopes

Por Sonia Castro Lopes

Todo dia deveria ser dia da consciência negra. Ter um dia específico para comemorar não é suficiente para refletir sobre a igualdade racial, mas, em um país que ainda padece sob o racismo estrutural, talvez seja importante manter essa data comemorativa para despertar a consciência da população e fazer com que se reflita sobre as injustiças cometidas contra os negros nesse país.

O Dia Nacional da Consciência Negra foi criado em 1971 por iniciativa do professor, escritor e ativista negro Oliveira Silveira que organizou um grupo de estudos sobre a cultura negra em Porto Alegre. Foi proposta pelo grupo a criação de uma data que simbolizasse a união e a luta do povo negro. Assim, o dia 20 de novembro foi escolhido por ser o dia da morte de Zumbi dos Palmares, considerado o símbolo da resistência contra a escravidão. Somente 40 anos depois foi instituído oficialmente o Dia da Consciência Negra pela Lei n.º 12.519, de 10 de novembro de 2011.

Zumbi dos Palmares, morto em 20 de novembro de 1695, representa a força e a luta da população negra em nosso país. Hoje, a Fundação Cultural Palmares é dirigida por um cidadão que tem o desplante de afirmar que “o negro precisa se libertar da ‘raça negra’, entendida como uma forma de dominação ideológica, e assumir-se como um ser humano, que terá de batalhar muito para conquistar algo. No Brasil, a vida é difícil para a grande maioria, não importa a cor da pele. Vence quem não se vitimiza.” Essa é a visão ideológica que permeia a opinião dos apoiadores do governo Bolsonaro, que, aliás, desqualificou os negros em discursos anteriores à sua eleição. Portanto, não deveriam causar espanto as atitudes e discursos do Sr. Sergio Camargo, um negro que desconsidera a história e a luta de sua própria raça.

Desde 2003 foi sancionada a Lei nº 10.639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da presença do tema “História e cultura Afro-Brasileira e Africana.” Mas, até que ponto essa lei está sendo cumprida? A maioria das escolas privadas que atendem às classes médias e à elite onde os alunos brancos são maioria, costuma tocar no assunto através de temas transversais, de forma absolutamente superficial. Na rede pública, pelo maior acesso de crianças das camadas populares, o tema vem sendo tratado com maior seriedade. Não basta mencionar a data e discorrer sobre a contribuição dos negros à cultura nacional, como geralmente é feito. É preciso ler autores negros, apropriar-se das idéias de quem possui o “lugar de fala” e debater o racismo estrutural de nossa sociedade nas aulas.

Um exemplo dessas iniciativas vem sendo desenvolvida pela Gerência de Educação Étnico-Racial da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. À frente deste órgão, a professora Joana Elisa Oscar, que nos concedeu entrevista ao assumir o cargo na SME no início deste ano e hoje reproduzimos neste Portal sob o título “Racismo se combate na escola, é dever de casa para a vida inteira.”

https://construirresistencia.com.br/racismo-se-combate-na-escola-e-dever-de-casa-para-a-vida-inteira/

Em dez meses como coordenadora da GERER, Joana Oscar nos colocou a par de algumas das principais ações desenvolvidas pelo órgão:

  1. Oferta de cursos de formação para as equipes técnico-pedagógicas das escolas municipais;
  2. Revisão dos materiais pedagógicos que chegam aos alunos da rede municipal para ampliar a representatividade e diversificar os repertórios incidindo sobre os conteúdos curriculares;
  3. Elaboração de 150 aulas com a temática para o Portal Rioeduca ao qual os alunos têm acesso;
  4. Parcerias firmadas para formação continuada de professores com o Arquivo Nacional, Planetário do Rio, Secretaria de Políticas e Promoção da Mulher, entre outros;
  5. Contribuição para a agenda Prefeitura Antirracista, responsável pelo primeiro Novembro Negro do Rio, desenvolvendo ações integradas com a cultura, saúde, movimentos jovens, guarda municipal;
  6. Assinatura de Termo de Cooperação entre a Coordenadoria Executiva de Políticas e Promoção da Igualdade Racial junto ao Instituto Pretos Novos a fim de oferecer para a rede escolar a vivência do Circuito de Herança Africana na Zona Portuária, Cais do Valongo e todo o território da Pequena África;
  7. Produção de material pedagógico sobre memória, territórios e lugares de fala para orientar as escolas a abordar esses conteúdos durante todo o ano e não só em novembro.

Para melhor conhecer as ações que vêm sendo desenvolvidas pela GERER/SME-RJ, acesse o link abaixo:

https://sites.google.com/view/gerer-sme/in%C3%ADcio

Cabe registrar também a experiência vivenciada em uma escola no subúrbio de Cordovil, no Rio de Janeiro – Escola Municipal Embaixador Barros Hurtado – na qual a professora Monica Aniceto Barros vem desenvolvendo um belíssimo trabalho junto aos seus alunos. Para tanto, associou-se à Rede de Professores Antirracistas, organização que ministra cursos aos colegas para que a Lei nº 10.639 possa ser colocada em prática. Esse grupo, criado no ano passado pela professora Lavini Castro (mestre em relações étnico-raciais), recebeu o Prêmio à Igualdade Racial de 2021 por sensibilizar os professores para a prática de uma educação antirracista (O Globo, 17/11/21, p. 31).

Nunca é demais lembrar que o racismo no ambiente escolar precisa ser combatido, desconstruído cotidianamente. Crianças que sofrem bullyng por causa da cor da pele, que crescem escutando que ‘seu cabelo é feio’ têm elevado a auto-estima a partir das palestras proferidas por personalidades negras e pelos debates ocorridos nas salas de aula. Tais discussões têm por objetivo desnaturalizar certas atitudes racistas que hoje são defendidas, por exemplo, por quem critica o Dia da Consciência Negra, como o atual presidente da Fundação Palmares.

A despeito da atuação desastrosa do governo federal que nega o racismo estrutural existente em nossa sociedade, é preciso comemorar as ações empreendidas pela SME/RJ, por organizações da sociedade civil e pelos professores em suas salas de aula. Tais iniciativas contribuem para que as novas gerações se tornem ainda mais conscientes e possam construir uma sociedade verdadeiramente democrática e igualitária.

 

Foto: Arquivo particular de Joana Elisa Oscar/Facebook

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