O desmonte da educação brasileira

Sonia Castro Lopes

Por Sonia Castro Lopes

 

Em todo o período da chamada “nova república” nunca um governo conduziu a política educacional de forma a incorporar tantos retrocessos quanto o atual. Não se trata apenas de incompetência, trata-se na verdade de um projeto de destruição. Sim, este governo está empenhado em desmontar todo o modelo político e social inaugurado pela Constituição Federal de 1988 no que diz respeito ao direito e universalização do ensino a todos os cidadãos brasileiros.

Historicamente a educação no Brasil sempre se pautou pelo dualismo e elitismo. Uma educação para os filhos da elite que desembocava, não raro, na universidade e uma educação para os filhos dos trabalhadores, que no máximo permitia chegarem a cursos profissionais após o encerramento do nível primário. O processo de redemocratização que emergiu após 1985 atingiu a educação ao preconizar maior liberdade de ensino, além da adoção de pedagogias plurais e inclusivas. Desde 2009 pela emenda n. 59 a educação tornou-se obrigatória dos 4 aos 17 anos incluindo duas pontas da educação básica que até então não eram consideradas obrigatórias: a educação infantil e o ensino médio. Apenas o primeiro segmento da EI – as creches ofertadas a crianças de 0 a 3 anos está fora da obrigatoriedade. Programas inclusivos como as políticas afirmativas – cotas sociais e raciais – PROUNI e FIES também possibilitaram a ampliação do ensino superior para as camadas mais empobrecidas da população.

E quais foram os ‘projetos’ desse governo pra a educação? Corte de verbas para as universidades federais, o Future-se destinado a estabelecer mudanças na gestão das universidades; permitir que 1,4 bilhão de reais fosse remanejado da educação para outros setores governamentais; o desastre do último Enem realizado em janeiro último que contou com o mais alto índice de abstenção em toda a história do exame;  o desrespeito ao resultado das consultas e da lista tríplice na nomeação de reitores; propostas como o homeschooling e a ‘escola sem partido’, esta em boa hora rejeitada pelo STF; a votação do novo Fundeb que graças ao Congresso Nacional garantiu recursos necessários à educação básica e impediu que parte deles fosse desviado para os ‘auxílios emergenciais.’ E de todas, talvez a mais repulsiva: o estabelecimento de escolas cívico-militares de alto custo  para adestrar crianças e jovens por meio de uma ideologia nitidamente fascista. A última semana foi pródiga em exemplos que demonstram o nível do retrocesso educacional a que este país vem sendo submetido.

Escola Cívico-Militar no Rio de Janeiro abre o ano letivo com palavras de ordem fascistas

Muitos querem, mas não podem/ Nós queremos e podemos /Nós somos nós  e o  resto é o resto/Brasil acima de tudo, abaixo de Deus.

Vídeos divulgados nas redes sociais mostram alunos de 6º ao 9º ano perfilados no pátio sendo obrigados a repetir essas frases ditas por um ‘instrutor.’ Ocorreu aqui na cidade do Rio de Janeiro, na escola cívico militar General Abreu, no bairro do Rocha. Ano passado, o prefeito Crivella em convênio com o governo federal investiu recursos para aparelhar essa que serviria de modelo à implantação de outras escolas cívico-militares na capital fluminense. Até o final deste mandato, Bolsonaro promete instalar mais de 400 dessas escolas em todo o país. São instituições que contam a com gestão pedagógica da Secretaria Municipal de Educação enquanto a gestão administrativa e de conduta fica a cargo de militares ou de profissionais da área de segurança.

A equipe gestora da E. M. General Abreu foi exonerada por desrespeito ao protocolo sanitário e por conduta incompatível com o ambiente escolar. Mas exonerar a direção não basta, é preciso desmontar este projeto de escola. Trata-se de um projeto perverso porque incute nas classes trabalhadoras a idéia falsa de que essas escolas serão melhores para seus filhos por pregar ordem e  disciplina. Esses colégios não são similares aos colégios militares federais, como pensam as famílias. É preciso romper com esse projeto fascista e parar de iludir os pais de que seus filhos terão uma educação de melhor qualidade.

Proposta de extinção da UERJ

Outra medida de cunho autoritário e inconstitucional deveu-se ao deputado Anderson Moraes (PSL-RJ), aliado de Bolsonaro, que protocolou na ALERJ no último dia 26 uma proposta para a  extinção da UERJ. O projeto de lei concede o direito para que os bens da UERJ e seus alunos sejam remanejados para universidades particulares. E o que não fosse contemplado na absorção, seria transferido para outras unidades de ensino superior do estado como a UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense) e a UEZO (Universidade Estadual da Zona Oeste). O presidente da Comissão de Educação da Alerj, deputado Flavio Serafini (PSOL), comemorou a decisão do presidente da casa Andre Ceciliano (PT) de não colocar a proposta em votação por ser inconstitucional.

O deputado bolsonarista justificou seu pedido criticando o gasto do dinheiro público usado para sustentar essa universidade e por ser ela um “aparelho ideológico de viés socialista”. Saiba, senhor deputado, que a Uerj é uma das dez melhores universidades do país e a pioneira no sistema de cotas, responsável por garantir o acesso das classes mais pobres ao ensino superior.

E para terminar o festival de atrocidades cometidas contra a educação, o diretor de avaliação da educação básica do MEC, setor responsável pelo ENEM, tenente-coronel aviador Alexandre Gomes da Silva, foi exonerado a pedido. Há apenas dois meses no cargo, o quinto elemento nomeado para a função durante o governo Bolsonaro não possuía qualquer experiência em avaliação, sendo sua única qualificação a proximidade com o atual ministro Milton Ribeiro. Até agora as inscrições para o Enem não foram anunciadas e é improvável que as provas aconteçam este ano, uma vez que o ministro da educação enviou ofício ao da economia pedindo liberação de recursos para a aplicação do exame. O SAEB (Sistema de Avaliação da Educação básica) também corre o risco de não ser aplicado.

O projeto de desmonte da educação nacional caminha a passos largos. E poderia estar pior, não fossem as medidas tomadas pelo Congresso e pelo STF para barrar tantas imbecilidades. Difícil será reconstruir o cenário educacional do país quando retornarmos à normalidade democrática.

Assistam ao vídeo
Reprodução Instagram do vereador Chico Alencar (PSOL-RJ)

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