Construir Resistência
Sonia Castro Lopes

O desastre da atual política de educação

Por Sonia Castro Lopes

A inatividade do MEC e a omissão do seu titular demonstram, mais uma vez, que a educação é um dos setores mais negligenciados no atual governo. A situação se complica quando assistimos ao corte orçamentário num momento em que seria prudente garantir mais recursos para a pasta, especialmente devido à queda de arrecadação de estados e municípios que compõem a cesta de impostos para o financiamento da educação básica. É revoltante constatar que em pleno século XXI, muitas escolas brasileiras de municípios mais pobres não possuem computador, não têm redes de esgoto, sendo que algumas sequer possuem água ou energia elétrica. E o pior: quase três milhões de alunos do ensino público não estão se alimentando com a merenda oferecida pelas escolas e nem recebem os alimentos em seus domicílios, agravando a situação de miséria que atinge grandes parcelas da população.

São muitas as questões negligenciadas como, por exemplo, o Programa Escola Conectada que prometeu disponibilizar recursos na ordem de 200 milhões de reais para instalação de internet nas escolas públicas, beneficiando 70 mil escolas, mas até agora nem um terço das escolas recebeu efetivamente o auxílio. Levando-se em conta que em 2018, ainda na gestão Temer, foi liberado o dobro de recursos para o mesmo fim atendendo um número bem maior de escolas, pode-se ter uma idéia do retrocesso das políticas educacionais no atual governo, especialmente nas regiões norte e nordeste onde a situação torna-se ainda mais grave.

A proposta orçamentária de 2021 encaminhada ao Congresso Nacional contemplou a pasta da educação com R$ 115 bilhões, valor superior ao destinado ao Ministério da Defesa que teria à sua disposição o valor de R$111 bilhões. Entretanto, comparado ao projeto orçamentário de 2020, os recursos destinados à educação tiveram acréscimo de apenas 2,16% enquanto na Defesa o aumento foi de 4,83%. O mais grave é que o MEC aceitou abrir mão de verbas para destiná-las ao Ministério da Defesa a quem cabe a gestão das escolas cívico-militares, a grande aposta educacional do atual governo.

Essas escolas são unidades de ensino públicas administradas por militares, pois no entender do governo, a disciplina por eles imposta influenciaria positivamente nos resultados obtidos pelos alunos nas próximas avaliações. Os gastos com o projeto deverão atingir a cifra de R$108 milhões em 2021 e grande parte desses recursos servirá para pagar os militares inativos que atuarão nessas instituições. É alto o investimento feito pelo MEC, cujos recursos poderiam ser mais bem aproveitados se fossem aplicados na rede pública tão necessitada de melhorias físicas, com professores mal remunerados e turmas repletas de alunos.

Parte dos recursos destinados às universidades federais ainda se encontra bloqueado. Recursos que deveriam custear as despesas de manutenção das instituições, além dos investimentos necessários às pesquisas, bolsas para estudantes e tratamentos hospitalares. Os gestores estão sendo obrigados a cortar atividades para não paralisar totalmente e alguns serviços de atendimento ao público deverão ser interrompidos a partir do segundo semestre. Para se ter uma idéia da defasagem dos recursos, o orçamento discricionário da UFRJ aprovado para 2021 gira em torno de 38% daquele empenhado há nove anos, em 2012. A interrupção das atividades não implica apenas a perda de aulas para os alunos, mas significa o fechamento do hospital universitário, bibliotecas, museus e laboratórios, com consequências desastrosas para a população.

Outra aposta do governo – verdadeiro equívoco – está no projeto que visa à regulamentação do ensino domiciliar que hoje contempla apenas 0,03% dos estudantes da educação básica.  Na verdade, uma minoria de crianças e jovens recebendo aulas em suas casas com o apoio de adultos que assumem a responsabilidade pela aprendizagem. Os defensores do ensino domiciliar  argumentam que estão em jogo questões religiosas, princípios e valores familiares que devem ser preservados, insatisfação com o ambiente da escola por ser um local de violência, além da convicção de que este modelo contribuirá para aumentar a qualidade de ensino dispensado aos seus filhos.

Esquecem-se de que a escola constitui um espaço de socialização onde os estudantes devem conviver com grupos diversos em constante diálogo, além de ali aprenderem habilidades e competências que em casa não podem ser desenvolvidas. Além disso, apenas famílias com alto poder aquisitivo podem optar pela educação domiciliar, já que esta pressupõe disponibilidade dos responsáveis para orientar os estudos ou a contratação de professores para ministrar os conteúdos curriculares.

A nosso ver, o atual ministro é mais um a servir ao governo sem qualquer autonomia. Ao tomar posse, professou a defesa da laicidade da educação, mas imediatamente nomeou assessores que defendem princípios bíblicos nas escolas e tecem críticas ao “movimento internacional de dominação cultural” por acreditarem que há na educação uma hegemonia da esquerda que coloca em risco os valores defendidos pela família e pela igreja.

A verdade é que se não há dinheiro para a educação, há verbas para afagar os aliados, como o caso da recente liberação de recursos para os parlamentares da bancada ruralista no valor de R$ 3 bi destinados à compra de tratores e implementos agrícolas por meio de um “orçamento secreto” num suposto caso de corrupção já denunciado pela imprensa. Há recursos que foram empenhados para a compra das vacinas indianas de eficácia duvidosa, outro caso evidente de corrupção que está sendo investigado pela CPI da pandemia. Até quando vamos suportar tanta incompetência e tanto cinismo?

 

 

 

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