Bolsonaro diz que conduzirá a nação pela agenda dos evangélicos
Por Sonia Castro Lopes
O presidente afronta o Congresso Nacional, a Suprema Corte e fica tudo por isso mesmo. Estou falando sobre a promessa feita por Bolsonaro aos líderes evangélicos de confiar a eles os destinos de um Estado que, ao menos teoricamente, é laico. A obsessão pela vitória eleitoral, bastante ameaçada pelo candidato favorito nas pesquisas, faz com que o capitão cometa essa agressão à Constituição Federal nas barbas dos nossos parlamentares e dos ministros do STF.
O Estado é laico, capitão! É assim desde a proclamação da República há muito mais de um século. O manifesto Republicano de 1870 já combatia a “igreja privilegiada”, no caso a católica, considerada pela Constituição Imperial de 1824 a religião oficial do país. Logo após a proclamação da República, ainda no governo provisório, o decreto 119-A separava o Estado da Igreja, secularizava os cemitérios, instituía o casamento civil e o ensino laico para as escolas primárias e secundárias do capital do país. Pela Constituição de 1891 decretava-se a liberdade de culto, onde o Estado era “impedido de instituir, subvencionar e embaraçar cultos religiosos” (art. 11), além de assegurar o ensino laico nos estabelecimentos públicos de todo o país.
Em termos educacionais, a laicidade ficou comprometida durante o regime Vargas quando o ensino religioso voltou à escola pública (ainda que em caráter facultativo), ocasião em que elementos ligados à igreja católica assessoraram o governo em questões centrais como a educação. Durante a ditadura civil-militar os princípios cristãos insinuavam-se no corpo da disciplina Educação Moral e Cívica, obrigatória nos currículos escolares.
Hoje, pela Lei de Diretrizes e Bases que rege a educação nacional, o ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas (art. 33). Ora, se é facultativo mas inserido no horário normal de aula, é preciso que as escolas ofereçam atividades pedagógicas alternativas para os alunos que optem por não assistir às aulas dessa disciplina. Isso acontece? Arrisco a dizer que raramente.
Além disso, a Base Nacional Comum Curricular (2017), instrumento normativo que define o conjunto das aprendizagens a serem desenvolvidas pelos estudantes ao longo das etapas e modalidades da educação básica, transformou o ensino religioso em uma das suas áreas de conhecimento. Seu ensino passa a ser obrigatório nas escolas, que podem optar por lecionar sobre crenças e ritos de apenas uma religião. Ou seja, ainda que os alunos possam escolher assistir ou não a essas aulas, indiscutivelmente há um retrocesso em relação à questão da laicidade na educação do país.
Teoricamente o Estado brasileiro é laico, o artigo 5º da Constituição assegura liberdade de crença dos cidadãos (inciso VI), mas as tradições culturais e a religiosidade popular dificultam essa materialização na prática. O preâmbulo da “constituição cidadã” alude à “proteção de Deus”, há imunidade tributária aos templos religiosos e a presença cada vez mais vigorosa de ensino religioso nas escolas, especialmente após a promulgação da BNCC, como exposto acima.
Sabe-se que atualmente cerca de 30% da população brasileira é composta por evangélicos e uma expressiva parcela destes apoia e sustenta o governo Bolsonaro. Em reunião recente no Palácio da Alvorada, o presidente, em lágrimas, prometeu que conduziria o país no sentido que os pastores ali reunidos o desejassem. Contumazes críticos das ‘roubalheiras’ dos governos anteriores e defensores de uma pauta de costumes absurdamente conservadora, a bancada evangélica atrai o interesse dos candidatos à presidência e até o momento Bolsonaro mantém a liderança na intenção de votos desse segmento, ainda que por uma margem bastante estreita. De acordo com as últimas pesquisas a intenção de voto entre evangélicos oscila em 34% para Bolsonaro e 33% para Lula que já declarou preferir o apoio das bases evangélicas à aliança com seus líderes.
Pelo que se conhece da “bancada da bíblia” talvez seja prematuro fazer qualquer previsão. A depender das próximas pesquisas e do aprofundamento da crise econômica é possível que não só grande parte do rebanho, mas principalmente os pastores mudem de lado. Afinal, nunca se sabe para onde o “chamamento de Deus” os conduzirá.