O caso Collini: dupla surpresa

Por Virgilio Almansur

Serei sintético! Estreou há pouco, no Netflix, O Caso Collini. Dupla satisfação: Elyas M’Barek, ator australiano radicado na Alemanha, faz o papel de um jovem advogado e imprime realidade ao papel, numa desenvoltura que é muito bem aproveitada pela direção competente de Marco Kreuzpaintner.

Tanto ator como diretor têm belas passagens em produções alemãs. O primeiro se destacou em Dane-se Goethe, Turkish for Beginners ou Kebab for Breakfast (Türkisch für Anfänger) — cujo “kebab” é aproveitado numa das cenas entre Caspar, seu personagem e a amiga, namorada da juventude —, O Físico (O Médico, na realidade, uma vez que o termo, na verdade, foi corretamente traduzido do “physician” do original em inglês: trata-se do nome dado a médicos durante a Idade Média), Suck me Shakespeer, Amor de Balada e Uma Amizade Inesperada.

Marco Kreuzpaintner é autor de Desaparecidos, Prisioneiros da Magia, Namorando Uma Mulher entre tantos títulos. Em Collini adota um retrato quase épico, com flashes de recomposição histórica substituindo as memórias em narrativa fiel aos acontecimentos que envolveram os partisans durante a invasão alemã.

Defender o assassino (aqui a segunda grata surpresa do ator escolhido para encarar o personagem) de um empresário, é o mote do filme para o desenvolvimento de Caspar Leinen, um advogado novato, magistralmente interpretado por Elyas M’Barek. O empresário é avô de Johanna, sua namorada de adolescência, bem como uma espécie de pai adotivo do noviço defensor do criminoso. Os desafios postos carregam afetos familiares e no tribunal, seu professor de Penal, conhecido como emérito tribuno.

A trama gera suspense e nós somos inseridos numa expectativa que envolve o direito germânico que cria sua “anistia” poucos anos após a II Guerra Mundial; está em jogo o direito penal, constitucional e administrativo (este faz uma costura subliminar bastante interessante e que contribui para o desfecho sem qualquer pieguismo juridiquês), num arcabouço interpretativo que nos faz assimilar a hipocrisia que tenta negar o quanto o povo alemão apostou no nazismo.

A novela que se segue ao crime explícito é repleta de poesia sem deixar o suspense; este, sempre em alta, é parte indispensável ao fluxo que o livro de inspiração do consagrado Ferdinand von Schirach combina; ele se aproxima de John Grisham como bestseller e quase roteiro — que mescla tribunal e romance sem perder o thriller implícito.

O diretor se permite liberdades quase ousadas, mas que não comprometem o gênero adotado. Schirach é conhecido advogado e sua pena afiada; escreve com muita facilidade e se mostra feliz nos resultados. O diretor capta muito bem a atmosfera e nos surpreende com uma regência fina e firme.

Uma bola de capotão reservará bela surpresa para que as expectativas de um filho se reencontre com seu pai; e naquilo que uma tragédia se mostra como tempero indissociável às novelas da vida.

 

Virgilio Almansur é médico, advogado e escritor.

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