O buquinista

Por Marlene Carvalho

Na pandemia ele está sumido, mas durante muitos anos um vendedor de livros usados chamado Íris, mais conhecido como Barbudo, fazia ponto na Rua Canning, esquina com Gomes Carneiro. Baixo e troncudo, simpático, cabelo curto e barba cerrada, se usasse gravata e paletó de tweed pareceria um professor universitário. Mas ele andava de bermudas, camiseta e sandália Havaiana.
Íris me perguntava sobre os livros estrangeiros:
– Isso é inglês? Italiano? Alemão?
Separava os romances, os livros de Direito, de eletrônica, de viagens, os didáticos. Tinha muito respeito pelos livros de arte, abria-os com cuidado, apreciava as gravuras.
Fernando Sabino morava perto e lhe dava  livros para vender. Uma vez o carro da fiscalização levou o tesouro do Barbudo. O escritor soube, se interessou , mexeu os pauzinhos e a mercadoria foi devolvida.
Íris me falou da morte da irmã, que acontecera justamente no dia em que ele fazia aniversário.
– Minha mãe me perdoe lá no céu, mas senti mais quando morreu minha irmã ano passado, disse ele.
– Morreu de quê?
– De câncer. Tinha 42 anos. Coitada, senti mais porque a gente era muito pegado, foi ela que  me encontrou aqui no Rio.
– Como assim ?
– Pois é, eu tinha saído de casa.
_ De onde?
_ Do Ceará, fiquei 14 anos sem dar notícias, ninguém sabia de mim. Aí minha irmã veio pro Rio e resolveu me achar. Me achou aqui na  rua, largado, eu quase virei mendigo. Dormia ali no bazar de caridade. Mas eu era mendigo social, sabe? Tomava banho, não tinha piolho.
_ Ela te achou por acaso?
_Por acaso não, ela me procurou. Não é uma história linda? A gente sabe que pai e mãe vão morrer, mas a irmã de 42 anos…eu emagreci dez quilos. Bem, não vamos mais falar disso, vai levar a coleção? São cinco livros, faço por 25.

 

Marlene Carvalho é professora aposentada da UFRJ.

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