Por Mercedes López San Miguel - editora internacional do jornal Página 12 de Buenos Aires - Argentina
Trinta e três milhões de pessoas não têm o que comer todos os dias em um país que saiu do mapa da fome após os governos de Lula da Silva. A questão social será prioridade para Lula na volta ao Planalto.
Longas filas de pessoas esperando para receber ossos de carne em açougues no Rio de Janeiro ou Cuiabá (Mato Grosso), bem como em cidades do nordeste pobre: essa é a imagem da fome no Brasil governado por quatro anos por Jair Bolsonaro (2018) -2022). ) e dois de Michel Temer. Trinta e três milhões de pessoas não têm o que comer todos os dias em um país que saiu do mapa da fome em 2014, após as presidências de Lula da Silva (2003-2010) e o primeiro mandato de Dilma Rousseff.
A situação chegou a um paroxismo na pandemia, em meio a um governo negando o vírus que atrasou a compra de vacinas. Com 700 mil mortes, o Brasil é hoje o segundo país da América Latina em mortes por Covid em relação ao número de habitantes, atrás apenas do Peru. Um governo montado em um discurso de extrema-direita que irradia ódio e discriminação deixa um país mais desigual e violento.
O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo e, paradoxalmente, a fome é a questão mais urgente, uma vez que o Estado não interveio nos últimos anos para combater a pobreza estrutural. Gilberto Maringoni, professor da Universidade Federal do ABC, conta ao Pagina 12 que a questão social é o principal desafio do próximo governo, um fardo das políticas neoliberais. “Antes havia estoques de alimentos do governo. Com Temer e Bolsonaro, foram privatizados os armazéns ou estoques de alimentos básicos do Estado, que buscavam baixar os preços. Hoje o Estado não intervém diante do aumento dos preços da cesta básica. Embora a inflação seja de 6%, ela é diferenciada: por exemplo, a inflação da carne é de 19%. O problema mais grave é a escassez de alimentos. Fome, miséria, pessoas vivendo em barracas como em campos de refugiados é uma realidade daqui a seis anos. É preciso reativar a economia na área produtiva”.
As principais preocupações dos 212 milhões de habitantes concentram-se na inflação, no emprego e na saúde. No segundo governo de Dilma Rousseff, foi feito um ajuste fiscal e o desemprego passou de 5,5% para 11,6% em 15 meses. Mais tarde, Temer, o vice-presidente que apoiou o impeachment e a sucedeu no Planalto, implementou uma reforma trabalhista que reverteu os direitos dos trabalhadores conquistados em 1943. Bolsonaro continuou nesse caminho. Hoje os empregos criados são precários e os salários muito baixos; o fosso entre as elites e os setores de baixa renda aumentou.
Segundo Maringoni, o emprego pode ser gerado com as obras de infraestrutura, que estão paralisadas. “No último período foi o menor investimento estatal dos últimos 50 anos, houve cortes de gastos e obras de infraestrutura, como linhas de trem, pontes e manutenção, foram paralisadas. Há 10% de desemprego, mas o emprego informal é alto: dos 108 milhões da população economicamente ativa, apenas 34,5 milhões têm empregos registrados.
Nesse contexto, a Covid-19 foi o gatilho para um drama muito maior. Como aponta Fabio Luis Barbosa dos Santos no livro Autophagic Brazil: “a pandemia pode ser vista como um acelerador de partículas para o bolsonarismo, que encontrou na crise sanitária uma porta aberta para seu laboratório de maldade social. No Brasil, foi coroado um conjunto de discursos, comportamentos e práticas impensáveis, inconfessáveis e extremistas. O Estado militou para normalizar as mortes em massa”. Bolsonaro chamando para tomar cloroquina, para não usar a máscara, atrasando vacinas, minimizando a morte de 680 mil pessoas. O discurso negacionista trazia em si a defesa de um Estado mínimo e o desprezo pela vida.
O Bolsonaro e a mídia de direita na América Latina lançaram no mês passado para divulgar que o governante de extrema-direita termina seu mandato com sucesso econômico. A projeção oficial do PIB é de crescimento de 2,7% em 2022. “Muito baixo depois de tantos anos de recessão”, diz Maringoni. Com efeito, o PIB ainda está abaixo do início do processo de queda iniciado no governo Dilma e acelerado com Temer e a pandemia.
O presidente brasileiro é um defensor da ortodoxia. Isso não impediu que o Auxilio Brasil, que substituiu o Bolsa Família criado por Lula, se multiplicasse neste ano eleitoral até chegar a 600 reais (120 dólares).
No entanto, a irradiação de intolerância e agressividade para com candidatos e referentes de esquerda se agravou durante a campanha. Ameaças de morte contra políticos como Manuela D´Ávila e o assassinato de pelo menos dois simpatizantes do PT antes do primeiro turno eleitoral foram corolário de um dispositivo de ódio implantado com notícias falsas, desinformação e ataques individualizados.