Por Sonia Castro Lopes
Um mundo de gente perplexa com o que revelaram as urnas no último dia 2 de outubro. Nunca me enganei em relação à vitória no primeiro turno ou a uma diferença de votos que ultrapassasse 5 ou 6 pontos percentuais. Fui chamada de derrotista, pessimista e alvo de chacotas pelas/os Polyanas de plantão. Deu no que deu…
O que mais me assusta não foi a vitória apertada de Lula em relação ao inominável, mas o fato de terem sido eleitas figuras abomináveis para o Congresso Nacional e governos estaduais. E mais: o apoio incondicional e explícito de governadores eleitos em primeiro turno nos principais estados do sudeste que antes ficavam em cima do muro envergonhados de terem seus nomes associados ao do ser abjeto que ocupa o Palácio do Planalto. Até Moro e sua “conja” conseguiram sair vitoriosos dessa eleição que pegou muitos brasileiros de surpresa. E, para espanto máximo, o juizeco de Maringá ainda se coloca ao lado de seu algoz, prestando-se, mais uma vez, a realizar o serviço sujo que começou lá atrás visando a impedir que Lula concorresse às eleições de 2018.
Instados a dar respostas aos seus equívocos, os institutos de pesquisa atribuíram o fato a um possível voto útil que eleitores de Ciro e Tebet fizeram a ultima hora em favor do atual mandatário. Ou seja, a campanha do voto útil desencadeada pelo PT e partidos aliados teria saído pela culatra. Será mesmo? Tenho minhas dúvidas.
O fato é que o Brasil não conhece o Brasil. E a campanha do ex-presidente Lula precisa fazer mudanças se quiser ganhar a eleição no próximo dia 30. É lindo ver Lula com Chico Buarque lotando as ruas de Belo Horizonte, mas desculpe-me a franqueza, continuam falando para a bolha. Evidenciar a tendência canibal do inominável não parece ter dado certo. Aliás, o TSE já exigiu que a propaganda fosse retirada do ar.
Não sou publicitária, sequer sou jornalista, mas sou curiosa. Costumo aprender com a história e vejo que os erros de 2018 estão se repetindo num momento em que não dá pra brincar. É tudo ou nada! Trata-se da eleição de nossas vidas!
O que fazer? Decididamente não sei, nunca trabalhei em campanha política. Mas tenho certeza que a monstruosidade do atual presidente nunca comoveu as elites e as classes médias que se julgam elite. E vou além: as camadas empobrecidas da população, que estão passando fome, andam mais preocupadas com os banheiros unissex que Lula supostamente vai construir nas escolas do que com o mantra da campanha de Lula de que o brasileiro tem que comer três vezes por dia.
Ouço diariamente o povo pobre que embarca nessa conversa. São porteiros, diaristas, guardadores de carro, manicures, entregadores de comida, motoristas de aplicativos, seres uberizados que recebem milhares de noticias por dia em seus zaps argumentando em favor de uma pauta de costumes moralista. A adesão dessa gente às mentiras divulgadas, em grande parte, pelas seitas pentecostais que crescem absurdamente, é visível. Os banheiros unissex são as novas mamadeiras de piroca que ajudaram a decidir a eleição há 4 anos. Ou alguém duvida?
O povo tem memória curta. Quem ainda se lembra dos benefícios que receberam dos governos petistas? Poucos. O que predomina na lembrança desta gente é a campanha desencadeada pela grande mídia corporativa que demonizou o PT e Lula à exaustão.
O que fazer? Tornar a campanha mais prospectiva. É preciso recordar o que o PT já fez? Sim, mas isso já foi devidamente explorado no primeiro turno. Agora é projetar o que, de fato, será realizado num novo governo. Bater pesado no adversário, desmentir seguidamente as mentiras que circulam nos zaps bolsonaristas e reconhecer que houve corrupção, mas falar de uma corrupção sistêmica que vem de muito tempo e que só foi desvendada porque os governos do PT deram transparência às investigações. Já falaram sobre isso? É preciso enfatizar mais!
Não caiam na armadilha da elite que cobra nomes e conteúdo do programa econômico a ser implantado pelo governo Lula, como têm feito os editoriais da grande imprensa (vide Folha de São Paulo de ontem, 9/10). Esse segmento já está perdido. Resta combater o antipetismo (que vimos ser maior do que pensávamos) com propostas firmes sobre economia, educação, saúde e segurança, mostrando que o atual governo nada fez nesses setores. E desmentir, desmentir, desmentir as fake news propagadas por pessoas como Damares Alves e seu bando de falsos moralistas que circulam nas igrejas pentecostais e se multiplicam como ratos nas periferias do país.
Há tempo para isso? Não sei. O dever de casa deveria ter começado há 4 anos quando o fascismo nos pegou de calça curta. Hoje constatamos que ele existe, tem cara e nome e é muito mais forte do que sempre imaginamos. O ideário dos “camisas pretas” – os integralistas de 1932 – foram resgatados num nível inimaginável e encontraram eco nas camadas mais conservadoras da população: a classe média que se apavora diante das ameaças comunistas que fizeram sucesso na época da guerra fria, portanto há sete décadas, e a camada pobre que, por falta de educação e consciência de classe, legitima essas pautas absurdas.
O discurso neoliberal faz sucesso entre essas pessoas. Não querem esmolas, são empreendedores e com muito trabalho vencerão. É o que escuto da minha janela. Um morador da comunidade da Rocinha, vizinha do bairro, diariamente berra na rua solicitando dinheiro para que sua família possa comprar gás e comida. O que fazem os moradores? Aparecem em suas varandas gourmet e gritam: “Vá trabalhar em vez de ficar perturbando”, no que são aplaudidos pelos porteiros dos edifícios, guardadores de carro, entregadores de comida e outros explorados pelo sistema que se julgam “autônomos” e cidadãos de bem.
Vamos entregar os pontos? Jamais! Mas para lutar é preciso conhecer o adversário, agora, mais do que nunca, inimigo. E repito: o Brasil não conhece o Brasil. Que tal começar a se despir desse discurso para a bolha e fazer o dever de casa? O povo está na rua e, como dizem os poetas, a praça é do povo como o céu é do condor.