Construir Resistência
Nise da Silveira

Nise da Silveira e a morte de Genivaldo

Por Natália Timerman

 

Chutes na cabeça, empurrões, sufocamento dentro do porta-malas de um carro. No mesmo dia em que Bolsonaro vetou uma homenagem à psiquiatra brasileira Nise da Silveira, essa sequência cruel e absurda de eventos levou à morte Genivaldo de Jesus Santos, de 43 anos. Dois acontecimentos sem nenhuma relação aparente um com o outro, mas com um fundamento em comum: o despreparo de nosso país para lidar com as pessoas portadoras de doenças psiquiátricas. Despreparo que resulta em violência e que, como vimos, pode resultar em morte.

​Nise da Silveira é internacionalmente reconhecida por ter pesquisado e transformado a maneira de tratar seus clientes, em sua maioria pessoas com quadros psicóticos, os chamados loucos. Na época de Nise e até não muito tempo atrás, os portadores desse tipo de doença eram costumeiramente despejados em manicômios e sujeitos a contenções mecânicas e químicas pouco criteriosas. Ela percebeu, já em 1946, quando criou a Seção de Terapia Ocupacional no Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro, que a arte era terapêutica e que podia oferecer resultados até melhores que aqueles obtidos pelos métodos então tradicionais. Seu legado é significativo até hoje, mais de vinte anos depois de sua morte; Nise da Silveira via a pessoa, e não apenas a doença; e via uma pessoa que poderia se expressar apesar do sintoma ou mesmo através dele, amenizando o sofrimento que vinha resultando dos delírios, das alucinações e da solidão abissal que caracteriza aqueles quadros.

​Genivaldo era portador de esquizofrenia, um dos tipos de loucura dos quais Nise da Silveira transformou o jeito de cuidar. A abordagem policial, segundo diz um informe dos próprios agentes federais, o deixou agressivo. Polícia alguma deveria jamais se sentir autorizada a agir violentamente sem que isso seja absoluta e evidentemente necessário, e muito menos diante de alguém cuja agressividade resulta de um sintoma psiquiátrico. Agitação psicomotora por transtorno mental pede medidas de saúde, e não medidas policiais. Isso deveria ser óbvio. A arte não é uma alternativa para uma abordagem policial, não é disso que se trata; nem os policiais deveriam ser capazes de fazer um diagnóstico psiquiátrico, mas sim de encaminhar a um serviço que o faça, seja esse o caso. Mas Genivaldo era, além de esquizofrênico, preto e pobre, um diagnóstico que a polícia sabe fazer cotidianamente muito bem.

Natalia Timerman é médica psiquiatra, psicoterapeuta e escritora brasileira. Possui mestrado em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo e trabalhou como psiquiatra no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário por mais de uma década.

 

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