HISTÓRIA POLÍTICA
Por Marly Motta
“Nelson, Danton e Farah/ Pra senadores nós vamos votar, todos três de uma vez/É o M, é o D, é o B, é o MDB.”
Aqueles que em 1970 já eram “grandinhos” devem se lembrar do jingle da campanha dos três candidatos – Nelson Carneiro, Danton Jobim e Benjamin Farah – em disputa por uma das três cadeiras para o Senado da Guanabara pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Dentro do sistema bipartidário imposto pela ditadura militar, o MDB era o partido de oposição á ditadura implantada a partir do golpe de 1964. Como as eleições diretas para a presidência da República e o governo estadual haviam sido extintas por atos autoritários do regime ditatorial, o pleito para o Senado acabaria por se tornar a disputa majoritária por onde seria possível medir a temperatura do apoio eleitoral à ditadura então vigente. Ao contrário das outras unidades federadas, na Guanabara – estado em que se transformara a cidade do Rio de Janeiro, após deixar de ser a capital do Brasil em 1960 –, o partido oposicionista, sob o comando do deputado Chagas Freitas, havia conquistado uma maioria expressiva na Assembleia Legislativa (Aleg) e na bancada da Câmara dos Deputados. Agora, que história é essa de “três de uma vez”? Mais uma história de arbitrariedade da ditadura. O senador Mario Martins, eleito em 1966, fora cassado pelo AI-5 de 1968, abrindo, dessa maneira, três vagas para a bancada carioca do Senado. A vitória emedebista em novembro de 1970 foi arrasadora e, de certa maneira, endossou o mandato de Chagas Freitas, eleito pela Aleg, um mês antes, para o governo da Guanabara. A verdade é que Nelson, Danton e Farah se transformou em música-chiclete, grudou na memória de toda uma geração e mostrou, mais uma vez, a força dos jingles no impulsionamento de campanhas políticas.
Quatro anos depois, em 1974, a estridente vitória dos candidatos do MDB ao Senado, conquistando 16 das 24 cadeiras em disputa, acendeu um sinal vermelho nas hostes do presidente Geisel, que tomara posse em março passado. A avaliação de que fora o amplo acesso dos candidatos oposicionistas aos meios de comunicação o responsável pela derrota da Arena (o partido governista), levou o governo a baixar a Lei Falcão, que restringiu a fala dos candidatos nas campanhas eleitorais. E mais: em 1978, o mesmo Geisel decretou o “Pacote de Abril”, um conjunto de medidas voltadas principalmente para garantir a preservação da maioria governista no Legislativo. No caso do Senado, a intervenção foi direta, ao determinar a eleição de um terço dos senadores por via indireta, o que resultou no jocoso apelido de “senadores biônicos”. Tudo justificado por uma “abertura controlada”.
Não são estes os únicos casos em que o Senado se tornou o alvo mais importante da eleição. Anteriormente, entre 1945 e 1964, quando eram diretas as eleições majoritárias para os diferentes níveis do Poder Executivo (presidente, governador, prefeito), houve pleitos em que a vaga no Senado envolveu disputas extremamente polarizadas. Como a de 1958, quando a única cadeira senatorial do então Distrito Federal (cidade do Rio de Janeiro) foi disputada entre o udenista Afonso Arinos – autor do inflamado discurso de 9 de agosto de 1954 pedindo a renúncia de Getulio Vargas às vésperas do suicídio do presidente –, e o petebista Lutero Vargas, filho de Getulio. Naquela eleição, a então capital federal se transformaria em palco privilegiado da disputa entre duas tradições fortemente arraigadas na vida política nacional. De um lado, a figura séria e grave de Arinos, encarnando elementos definidores da identidade da UDN, como o moralismo, a ordem e o liberalismo. De outro, Lutero Vargas, carregando as bandeiras do getulismo, do nacionalismo e do trabalhismo. E Arinos venceu. Com 397 mil votos contra 319 mil de Lutero, obteve o excelente percentual de 43% dos votos, índice até então jamais alcançado pela UDN em eleições majoritárias. A polarização foi tão marcante que o terceiro colocado, João Mangabeira, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), obteve apenas 49.000 votos, atrás dos 72.000 votos nulos e brancos. A campanha udenista, magnificamente orquestrada por Carlos Lacerda de cima dos “caminhões do povo”, convenceu o eleitorado carioca que a UDN, “de manga de camisa”, havia abandonado a Zona Sul e a Tijuca pelos subúrbios calorentos onde o eleitorado costumava votar no PTB, o partido de Getulio, o “pai dos pobres”.
A inspiração para esse texto sobre o Senado veio da acirrada disputa entre André Ceciliano (PT) e Alessandro Molon (PSB) pela cadeira senatorial, representando, cada um a seu modo, o pensamento das esquerdas. Mais importante, no entanto, é o destino da campanha eleitoral do ex-presidente Lula no estado do Rio de Janeiro. De fato, cada um dos dois competidores possui dons maiores e menores para se inserir no jogo eleitoral estadual e nacional de 2022 e, sobretudo, garantir um lugar de destaque, a partir de então, no desfalcado cenário político fluminense.
André Ceciliano é o atual presidente da Alerj, o que, em princípio, poderia colocá-lo em situação vantajosa na disputa. Afinal, é bom lembrar que Sergio Cabral saiu da presidência do Legislativo fluminense para o Senado (2002) e para o governo do estado (2006). Jorge Picciani tentou fazer o mesmo percurso, e fracassou. A pergunta que se coloca é: como Ceciliano, apesar da pequena bancada do PT, alçou, em 2017, ao cargo estratégico de presidente da Alerj? Oriundo de Paracambi, cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, conquistou seu primeiro mandato na Alerj em 1998, e logo ascendeu à posição de terceiro vice-presidente da Mesa Diretora para o biênio 1999/2000. Prefeito de Paracambi (2001-08), voltou para a Alerj, onde se encontra desde 2011, ao longo de três mandatos. Essa experiência parlamentar e o bom relacionamento com deputados de vários partidos permitiram que o petista galgasse, sucessivamente, a segunda vice-presidência (2015-16), a vice-presidência no biênio seguinte, e a presidência da Alerj a partir de 2017 por ocasião da licença e da prisão de Jorge Picciani. Em 2019, foi reconduzido à presidência da Casa pelos seus pares. Pode-se argumentar, com alguma dose de razão, que essa trajetória o favorece para abrir algumas portas de acesso ao eleitorado de certas regiões do estado, em geral refratárias ao PT. A alegada proximidade de sua candidatura com a de Claudio Castro, no entanto, levanta suspeitas sobre até que ponto irá sua fidelidade a Marcelo Freixo, candidato do PSB, forte na capital. Ceciliano tem a seu favor ser aquele candidato que reproduz a contabilidade da chapa: PSB para governador PT para o Senado, e Lula na cabeça. A conferir…
Por falar na capital, a força de Molon aí é comprovada pelos milhares de votos a ele conferidos pelo eleitorado carioca. Sua carreira política difere da de Ceciliano, já que, de deputado estadual (2003-11), saltou para deputado federal a partir de 2011. Em 2015, por força da Lava jato, trocou o PT pela Rede e, três anos depois, foi para o PSB. Conectado com as grandes bandeiras nacionais – foi relator do marco civil da internet – e militante das causas ambientais, Molon terá que sustentar sua posição de “candidato do Lula” a partir de vantagem nas pesquisas eleitorais, as quais lhe dão superioridade frente a Ceciliano. O jogo não está jogado, ainda.
Apesar de diferenças gritantes no ambiente de urbanidade e civilidade presente hoje no Senado em comparação com a década de 1990, o senador Darcy Ribeiro cravou a seguinte frase: “O Senado é melhor do que o paraíso, porque não precisa morrer para ir para lá.” Quem sabe é isso mesmo.
OUÇA O JINGLE:
https://www.youtube.com/watch?v=PUi287klpCI
Marly Motta é historiadora e professora (aposentada) da FGV/RJ. Autora do livro E agora Rio? Um estado em busca de um autor.
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Parabéns pelo artigo. Estou pesquisando sobre a história da medicina legal no Brasil. A Sra. teria alguma informação biográfica sobre o deputado Hélio Gomes que assumiu o pleito de Benjamin Farah em 1962? Att.