Por Sonia Castro Lopes
Ainda não se sabe se Lula e Alckmin comporão chapa para disputar as eleições presidenciais de 2022. Entretanto, a parceria parece ganhar força, apesar da cara feia de muitos apoiadores da candidatura do ex-presidente. Luchu é o apelido dado à composição, mistura dos nomes de Lula com o apelido de Alckmin, “picolé de chuchu.” É natural que Alckmin não seja o vice sonhado pelos eleitores do PT e demais partidos progressistas, embora exista quem afirme que ele seria o menos nocivo dentre os tucanos.
O que se sabe é que os dois se encontraram no último final de semana e conversaram sobre a possibilidade de o ex-governador ser o vice na chapa de Lula. Por enquanto são só possibilidades, nada além disso. Mas é fato que pesquisas feitas pelo PT indicam que o apoio do tucano elevaria consideravelmente a votação de Lula em São Paulo, podendo até mesmo garantir a vitória do petista no primeiro turno. Se Alckmin deixar o PSDB para ingressar no PSB, a probabilidade de uma aliança aumentará, mas se optar por engrossar as fileiras do PSD de Kassab o mais certo é que se empenhe na disputa do governo de São Paulo. Aliás, uma das vantagens que o PT teria com essa aliança seria tirar Alckmin da disputa do governo paulista e propiciar a ascensão de Haddad, o segundo colocado nas pesquisas.
Ao defenderem um acerto entre Lula e Alckmin, as lideranças petistas pensam em fazer uma frente contra o autoritarismo encarnado por Bolsonaro, candidatíssimo à reeleição. A procura de alianças mais ao centro tem por objetivo acenar ao mercado financeiro, além de amenizar a figura de Lula junto aos eleitores mais conservadores que desistiram de Bolsonaro e olham Moro com certa desconfiança, especialmente após as irregularidades apontadas nos processos que levaram o ex-presidente à prisão.
A política é uma arte, a arte da negociação. É preciso confiar no taco das lideranças do partido e do próprio Lula. Divergir nesse caso é apostar na divisão e colocar a vitória em risco. Aliás, historicamente, as esquerdas nunca se entenderam, desde o expurgo que marcou a Segunda Internacional há mais de um século. Em momentos de perigo iminente, não podemos hesitar. É tudo ou nada!
E por falar em história, cabe aqui lembrar uma aliança absolutamente impensável que rendeu críticas contundentes aos seus protagonistas. Refiro-me ao apoio dado a Getúlio Vargas pelo PCB no episódio do queremismo.
No final do primeiro governo Vargas (1945), num momento de redemocratização após a vitória dos Aliados na segunda grande guerra, foram criados os três mais importantes partidos políticos da época: A UDN – União Democrática Nacional, herdeira da tradição dos partidos democráticos estaduais e adversária do Estado Novo que se organizou em torno da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes para disputar a presidência da República. O PSD – Partido Social Democrático, criado por iniciativa dos burocratas do governo e dos interventores dos Estados com anuência do próprio Getúlio, apoiou a candidatura do Marechal Eurico Gaspar Dutra. E, finalmente, o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro, também sob inspiração de Getúlio, do Ministério do Trabalho e dos sindicatos com o objetivo de reunir as massas trabalhadoras urbanas sob a liderança de Vargas. Diferentemente dos dois outros partidos, o PTB não apresentou nomes para a disputa presidencial.
O fato é que Getúlio, ao perceber a perda de sustentação do regime pelos militares, resolveu se respaldar nas massas populares sendo apoiado pelo Ministério do Trabalho, pelos sindicalistas e pelos… comunistas. Sim, o apoio do PCB a Vargas foi um dos fatos mais criticados da época, até porque um de seus dirigentes, Luiz Carlos Prestes, secretário-geral do partido, havia sido preso durante a ditadura varguista por 9 anos e sua mulher, Olga Benário, entregue pelo governo brasileiro à Gestapo vindo a falecer num campo de concentração poucos tempo depois de dar à luz a filha de Prestes. Mas o PCB não se opôs à orientação vinda de Moscou para que os partidos comunistas de todo o mundo apoiassem os governos de seus países integrantes da frente antifascista. Obedecendo ao Partido, Prestes entendeu que era preciso apoiar o inimigo do passado em nome das “necessidades históricas.”
Assim, em 1945, os líderes trabalhistas ligados a Getúlio com o apoio dos comunistas tomou a iniciativa de lançar a campanha Queremos Getúlio num episódio que passou à história do país como queremismo. Os queremistas saíram às ruas defendendo a instalação de uma Assembleia Constituinte com Getúlio no poder. Posteriormente, seriam realizadas eleições diretas para presidente e Vargas seria o candidato. Temendo que Vargas se tornasse um novo Perón, os opositores apressaram sua queda contando com o apoio do governo norte-americano. Forçado a renunciar, Getúlio retirou-se para São Borja, sua cidade natal.
Mantida a data das eleições para dezembro de 1945 os candidatos com melhores chances eram os da UDN e PSD. Parecia que a candidatura do brigadeiro ia de vento em popa, enquanto a do marechal não decolava. Isso até Vargas decidir apoiá-lo. Ao final, a vitória de Dutra revelou a força da máquina eleitoral do PDS e o prestígio de Vargas junto às camadas populares que votaram em massa no marechal e repudiaram o brigadeiro, chamado “candidato pó-de-arroz.” A força do getulismo iria se revelar novamente nas eleições de 1950 quando ele volta à presidência “nos braços do povo.”
O exemplo histórico aqui mencionado serve para demonstrar que alianças políticas, por mais estranhas que pareçam, muitas vezes são necessárias para fazer valer determinado projeto político. No momento, é preciso combater o mal maior – a reeleição de Bolsonaro – e, para derrotá-lo, talvez os fins justifiquem os meios. Se essa for a orientação do Partido dos Trabalhadores, será mais prudente tapar o nariz e encarar o picolé de chuchu, pois Lula mais do que ninguém tem plena consciência daquilo que Prestes chamou de “necessidades históricas.”
Foto: Ricardo Stuckert e Paulo Whitaker/ Reuters