Na Manifestação 3J do Rio, um só grito: Fora Bolsonaro!

Por Sonia Castro Lopes

Estou virando arroz de festa nas manifestações contra Bolsonaro, o que para mim virou motivo de orgulho. Não perco uma. Em menos de dois meses já fui a quatro. A do Largo de São Francisco contra o corte de recursos da UFRJ e a três na Presidente Vargas pedindo #foraBolsonaro. Isso sem falar nas manifestações #foraTemer (2017), #Elenão (2018) e  os movimentos em prol da educação pública que reuniram 200 mil pessoas no centro do Rio de Janeiro, em maio e junho de 2019. Sou de uma geração que não viveu a mobilização estudantil devido à  repressão exercida pela ditadura empresarial-militar que tivemos de amargar por 21 anos e que, agora, alguns apoiadores desse governo insano  insistem em querer de volta. Das manifestações políticas da recente democracia, lembro-me apenas das Diretas Já, em 1984, e do movimento dos caras-pintadas no governo Collor, em 1992.  Ou seja, sou uma manifestante tardia e, como tal, curiosa a respeito desses movimentos e, especialmente, dos personagens que passei a conhecer nessas ocasiões.

A de hoje foi ‘um sucesso’ como afirmou Antonio Lemme, médico, 80 anos, filho do pioneiro Paschoal Lemme que, junto aos mais prestigiados educadores brasileiros, foi signatário de um manifesto, em 1932, que anunciava um verdadeiro projeto de nação pela via educacional. Curioso é que em meio a todos aqueles ‘pioneiros da educação nova’ fiéis à  social democracia ou ao liberalismo de ocasião, Paschoal se destacava por ser o único comunista  e por isso pagou caro. Sua biografia é incrível; vale a pena conhecê-la. Antonio pertence àquela privilegiada ‘geração de 68’ que na semana passada se reuniu na Cinelândia lembrando fatos que acabaram por endurecer o regime e levar à decretação do AI-5 pelos generais-ditadores. Pois hoje estavam lá muitos deles, marchando, carregando faixas e pedindo a volta da democracia. Quem é da luta não se acomoda. Bonito de ver homens e mulheres que pelo tempo vivido (?) são taxados de velhos (principalmente agora  que a ‘velhice’ será considerada doença), mas cuja alma permanece jovem, leve, capaz de sonhar e fazer projetos, de pensar em dias melhores nem tanto para si, mas para as gerações que os sucederão.

Ao lado dos ‘velhinhos’ havia crianças levadas pelas mães para aprenderem na prática o que é lutar pelo bom e pelo belo, a travar o bom combate.  Chamaram minha atenção, em particular, dois pequenos, um menino e uma menina com talvez uns quatro ou cinco anos participando da passeata com uma camiseta onde se lia Resistência feminista. Em meio a tanto machismo estrutural, tanta misoginia, os pequenos estavam dando uma verdadeira aula de cidadania  em meio àquela multidão. Bendita seja essa mãe que ensina os filhos desde cedo a pensar e agir como criaturas sensíveis, empáticas, futuros cidadãos conscientes a desafiar tanta ignorância e preconceito.

E a juventude? Essa juventude que, como dizia Gonzaguinha, “não foge da raia a troco de nada.” Conversei com quatro. Andrew Johnson, 32, é um rapaz canadense que está no Brasil há quatro anos e fala um português corretíssimo.  Documentarista, resolveu fazer uma pesquisa sobre os efeitos da pandemia em populações em situação de vulnerabilidade social que moram em comunidades. Ao seu lado, a jovem Cristiane Soares Martins, 33, assistente social, que até um ano residia na favela. Sua história, diz ela, foi construída com o auxílio de muitos amigos e pessoas que a acolheram. Teve uma infância triste com episódios de abandono e falta de afeto. Estudou serviço social e hoje disputa uma vaga no mestrado de Sociologia Urbana na UERJ.  Participante de projetos sociais desde 2015, foi através desses projetos que descobriu a profissão pela qual se apaixonou e que hoje exerce no centro para idosos Casa de Sant’Ana. Cristiane realizou diversos cursos que contribuíram para seu aperfeiçoamento profissional em renomadas universidades e, atualmente, participa de uma pesquisa em parceria com a Universidade de Tufs (EUA) que investiga o impacto da pandemia da Covid-19 na comunidade da Cidade de Deus.

Ainda neste grupo travei conhecimento com Vitória Vieira, 22, aluna de direito na PUC-Rio e Carol “Cacau” (é assim que ela gosta de ser chamada), 32, estudante de serviço social da UERJ. As duas entraram na universidade pelo sistema de cotas. Carol foi candidata à Câmara Municipal nas últimas eleições pelo PSOL e ambas fazem parte do MRT (Movimento Revolucionário dos Trabalhadores) e do Movimento Pão e Rosas, surgido no Brasil em 2007, com ramificações no Chile, Argentina, Bolívia, México, Espanha e Alemanha. O nome do grupo foi dado em homenagem às operárias de uma fábrica têxtil em Massachussets que, no início do século passado, lideraram uma greve histórica na luta por seus direitos. Não queriam apenas pão, mas o direito à cultura, à arte, ao lazer e a uma vida plena.

A manifestação transcorreu mais perfeita ordem com pessoas de todas as idades, representantes de movimentos feministas, negros, Lgbtqia+, sindicatos, partidos políticos, organizações sociais. O momento mais emocionante foi quando, do carro de som , a cantora Teresa Cristina entoou o samba-enredo da Mangueira de 2019 feito em em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada pouco antes. Foi lindo ver o povo cantando que queria ouvir as ‘Marias, Mahins, Marielles Malês’, numa referência às minorias que compõem um Brasil que não aparece na  história oficial. Ali, muitos filhos desse país que ‘não  está no retrato’ puderam se irmanar e gritar a uma só voz: #ForaBolsonaro!

Democracia se aprende nas ruas.

 

Fotos: Sonia Castro Lopes

Crédito foto da capa: G1.globo.com

Um agradecimento especial a Ana Claudia Araújo que me apresentou aos jovens entrevistados.

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