Construir Resistência
Foto: arquivo pessoal

Na energia vital rumamos o desconhecido

Por Beatriz Herkenhoff

Da noite para o dia perdemos a força motriz da nossa nação, perdemos a alegria que nos move e possibilita as celebrações coletivas da vida.

Já não podemos ir para os estádios torcer e vibrar pelo nosso time, nem jogar futebol na quadra do nosso bairro. A energia do carnaval, do desfile das escolas de samba, das festas populares, das manifestações culturais e religiosas ficou guardada para quando for decretado o fim da pandemia. Os forrós, as festas sertanejas, os shows com músicas funk, rock, jazz, MPB, entre outros, que tanto iluminavam nossos fins de semana não se fazem mais presentes.

A possibilidade de conhecer alguém num bar, num pub ou mesmo na praia, já não existe mais. A plenitude afetiva, amorosa e sexual entraram em compasso de espera. Os encontros nas igrejas e celebrações religiosas também foram adiados.

As viagens estão congeladas. As festas familiares, as comemorações de aniversários, casamentos, bodas, batizados e formaturas não acontecem mais.

Os idosos, para serem protegidos, estão vivendo uma solidão que rasga a alma. As crianças foram impedidas de fazer o que mais gostam: que é socializar, partilhar sua intensidade, seu amor e espontaneidade, brincar com outras crianças nos parques, nas praças, nas areias das praias e nas escolas.

Os trabalhadores autônomos estão impossibilitados de realizar suas vendas, muitos estão perdendo seus empregos, pequenos comerciantes indo à falência. A pobreza e a fome crescem assustadoramente.

As manifestações de rua, de resistência, de denúncia e de mudança também não podem ocorrer. Somos invadidos por fakenews nas redes sociais e nossa impotência fica exposta. O luto se faz presente com perdas e mortes de pessoas queridas e também de desconhecidos.

Diante disso tudo, a energia fica represada e, muitas vezes, anulada. Resta um vazio afetivo, cultural, espiritual, amoroso e sexual. Um vazio de trabalho, de realizações, de encontros, de celebração da vida. E nos perguntamos:

O que podemos fazer? Como podemos contribuir para o enfrentamento desses desafios?

Estamos vivendo um momento único, diante de tanto sofrimento, muitas são as possibilidades.

Temos que construir estratégias de resistência em todas as dimensões: sociais, ecológicas, politicas, espirituais, psíquicas, afetivas, culturais, econômicas, de sobrevivência e de solidariedade. Buscarmos formas de nos agrupar (on line), de fortalecer as relações familiares e com amigos.

Mesmo que à distância, estarmos atentos para aqueles que precisam de um apoio financeiro, psíquico e emocional. Sermos criativos nos estímulos que oferecemos às crianças.

Resgatarmos permanentemente a criança que existe em nós, nossa capacidade de amar, rir e gargalhar. Não deixar que a tristeza do mundo faça morada em nós. Construirmos organizações coletivas em que ninguém solta a mão de ninguém.

Diante de tantas alternativas e caminhos necessários, optei nesse momento por refletir sobre o cuidado psíquico e emocional. Como encontrar o equilíbrio interior, como renovar a confiança e a esperança num momento em que tudo desmorona? Como não enlouquecer, deprimir, desistir, desanimar num momento em que estou só e tenho dificuldade de ver a luz no fim do túnel? Como aproveitar esse momento de dor para nos transformarmos em pessoas melhores, mais sensíveis, amorosas, generosas e solidárias? Como resgatar nossa energia de luta e resistência? Como cuidar e ser cuidado numa ciranda que nos fortalece?

Quero suscitar questões para que cada um encontre o seu caminho e formas de superação. Mas, é importante partilharmos as estratégias que estamos construindo, para buscarmos alternativas coletivas, nesse tempo em que nossas forças enfraquecem e em que precisamos resgatar a confiança e a esperança.

Reflexão que nos move…

 

Nota da autora:

Continua…

 

Beatriz Herkenhoff é doutora em serviço social pela PUC São Paulo. Professora aposentada da Universidade Federal do Espírito Santo.

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