Dias atrás, ascendeu ao anel superior o herói samurai Humberto Kaoru Kinjô, aos 79 anos. Era jornalista dos bons e apaixonado pelo Time do Povo. Em 1968, teve que exilar-se no Chile para não ser preso e torturado pelos golpistas botinudos. Em 1973, sofreu com outro ataque à democracia, desta vez, no levante militar contra o presidente Salvador Allende.
Sua família era de origem japonesa e sua mãe foi a primeira nissei nascida no Brasil, em 1908. Vinha de uma família trabalhadora, que suava para ganhar o sustento. Humberto era ótimo estudante e logo se engajou nas lutas da esquerda, tornando-se membro da Ação Popular.
Militou na União Nacional dos Estudantes (UNE) e, depois, empregou-se como jornalista na Folha de S. Paulo. Em 1967, foi preso e sofreu por três meses na sede do infame Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
No Chile, depois do golpe desfechado por Pinochet, muitos militantes acabaram presos, torturados e assassinados. Humberto se escondeu em um convento católico, até conseguir asilo na embaixada de Honduras.
Em outubro de 1973, o grande problema dos perseguidos era justamente chegar às sedes das representações estrangeiras. Foi quando Humberto descobriu que um soldado chileno, guarda da embaixada, era fã de futebol e considerava Rivellino o maior atleta do mundo.
Humberto o enfeitiçou com a história de uma camisa do Corinthians que recebera do irmão Celso, também jornalista. Tinha sido de Zé Maria, usada em um clássico contra o Palmeiras, em novembro de 1972. O resultado da peleja? 1 a 0 para o Timão. Não era, portanto, de Rivellino, mas valia tudo para salvar os parceiros de luta.
O soldado tinha algum conhecimento sobre os craques brasileiros. E logo estranhou o número nas costas.
– Se Rivellino joga com a 11, como é que aqui está 2? — perguntou Raúl, ao ver o uniforme.
Humberto improvisou. Zé Maria teria se machucado na partida e não poderia mais ser substituído. Rivellino então teria trocado de posição com o contundido e passara a jogar com a 2, na lateral direita. Predisposto a acreditar na fantasia, o soldado se deu por satisfeito e não fez mais perguntas.
– Não sabes quanto meu sobrinho daria para ter uma dessas — entusiasmou-se Raúl, segundo os relatos de Humberto.
A troca foi realizada. O manto sagrado alvinegro pelas vistas grossas do agente da ditadura. E, assim, cinco militantes chilenos puderam entrar na embaixada, escapar da morte certa e ganhar a liberdade.
Valeu, Humberto. Nossa gratidão. Eternamente em nossos corações!