Por Moacyr Oliveira Filho
O DOI-CODI funcionou ali até 1984, quando foi transferido, inicialmente para o 4º Batalhão de Infantaria, conhecido como Quartel de Quitaúna, em Osasco, e depois para uma área no Hospital do Exército, no Cambuci, onde ficou até a sua desativação, por uma Portaria do Ministério do Exército, de 18 de janeiro de 1982, que criou em seu lugar, nas 2ª Seções das unidades militares, as Subseções de Operações (SOp), para realizar as operações de informações e contra-informações que lhe forem determinadas.
Em junho de 1991, o complexo arquitetônico da Rua Tutóia é oficialmente devolvido pelo Exército ao Governo do Estado de São Paulo. Em 2013 é tombado pelo CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado. Até hoje funciona ali a 36ª Delegacia Policial e diversos outros órgãos da Secretaria de Segurança Pública.
Antes do tombamento, várias reformas realizadas no prédio principal, onde funciona a Delegacia e ficavam, desde 1970, as salas de tortura e as celas do DOI-CODI, descaracterizaram completamente esses espaços. Em 2013, diligências da Comissão Nacional da Verdade, com a participação de ex-presos políticos que ali estiveram (eu participei de 4 visitas ao local), reconstituíram a arquitetura original do DOI-CODI. Esse trabalho está no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, com os respectivos croquis, nas páginas 755 a 757.
O DOI-CODI atuou intensamente na repressão política até 1976, quando ocorreu sua última grande operação – a Chacina da Lapa, como ficou conhecido o episódio em que membros do DOI-CODI invadiram a casa que ficava na Rua Pio XI, 767, no bairro da Lapa, São Paulo, que servia de sede para o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PcdoB). Na operação, Angelo Arroyo e Pedro Pomar foram assassinados pelos agentes do DOI-CODI e seis integrantes do Pcdo B – Elza Monnerat, Aldo Arantes, Haroldo Lima, Wladimir Pomar, Joaquim Celso de Lima e Maria Trindade – foram presos e levados ao prédio da Tutóia. João Batista Drummond, um dos presos, foi assassinado nas dependências do DOI.
Considerado o mais violento e emblemático órgão de repressão da ditadura militar, segundo dados de uma monografia do tenente-coronel Freddie Perdigão Pereira, apresentada à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, em 1977 – O Destacamento de Operações de Informações (DOI) – Histórico Papel no Combate à Subversão – Situação Atual e Perspectivas, de 1969 a 1977, 2.541 pessoas foram presas pelo DOI-CODI, 914 foram encaminhadas para lá por outros órgãos, 3.442 prestaram declarações e foram liberadas e 54 foram mortas ou desaparecidas, depois de presas ali. Já o jornalista Marcelo Godoy, em seu livro A Casa da Vovó lista 79 mortos por agentes do DOI ou depois de presos em suas operações, incluindo aí os que foram mortos em operações de rua ou em outros centros clandestinos, como o Sítio 31 de Março e a Casa de Itapevi, conhecida como Boate, utilizada a partir de 1974.
O DOI-CODI operava com três Seções – Investigação, responsável pelos interrogatórios e torturas; Busca e Apreensão, responsável pela prisão e estouro de aparelhos; e Análise, responsável pela análise e cruzamento dos depoimentos e informações obtidas nos interrogatórios e aparelhos, que orientava os torturadores nos novos interrogatórios. Cada uma dessas Seções operava com 3 equipes – A, B e C, que trabalhavam em revezamento de 24 por 48 horas. As equipes de investigação tinham um chefe, normalmente um delegado da Polícia Civil ou Federal, e cerca de 4 interrogadores/torturadores – oficiais da PM, agentes da Polícia Federal ou Civil e militares de médio escalão. Todos os torturadores usavam codinomes, de forma invertida, para dificultar a sua identificação. Assim, os policiais civis ou federais usavam codinomes de patentes militares – Capitão Ubirajara, Tenente Ramiro, etc, e os militares usavam codinomes civis – Dr. José, Dr. Tibiriçá, etc.
Seu primeiro comandante foi o então major Waldyr Coelho, de 1969 a setembro de 1970, quando foi substituído pelo então Carlos Alberto Brilhante Ustra, o maior símbolo da tortura no Brasil, que chefiou o órgão de 29 de setembro de 1970 a janeiro de 1974. Outros comandantes foram Audir Santos Maciel (1974/1976), Paulo Rufino Alves (1976/1978), Carlos Alberto de Castro (1979), Dalmo Lúcio Muniz Cyrillo (1980/1982) e Alfredo Lima do Carmo (1982/1985).
Reconstituindo a arquitetura

Nos primeiros meses de seu funcionamento, entre julho de 1969 e setembro de 1970, o esquema era precário. As torturas ocorriam no prédio de dois andares (à direita da foto, onde tem umas Kombis estacionadas) de forma meio improvisada. Mais de uma pessoa era torturada numa mesma sala, usando-se lençóis ou placas de madeirite para separar os ambientes, de modo que um preso podia ouvir a tortura e o interrogatório do outro (fotos abaixo).


Foi a partir de setembro de 1970, quando assumiu o comando o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, que o DOI-CODI passou a funcionar de forma mais organizada, com as torturas e as celas funcionando nos fundos do prédio principal, onde funcionava a 36ª DP (à esquerda da foto, onde tem 3 carros estacionados), inclusive com revestimento acústico da sala principal de tortura, que ficava no térreo, ao lado da carceragem.
Portanto, os companheiros que foram presos entre 1969 e 1970 têm uma visão diferente da dos que foram presos depois de 1970. O Pedro de Oliveira foi preso em 21 de julho de 1969 e conheceu as primeiras instalações. Eu fui preso em 8 de maio de 1972 e fui torturado e fiquei nas celas do prédio principal.
Nessa época, a entrada das viaturas que nos conduziam, as temíveis C-14, era feita pelo portão de ferro da Rua Thomaz Carvalhal, 1030, nunca pela 36ª DP.
A foto mostra como era a arquitetura do DOI-CODI na época. O portão de ferro, com a guarita, na Thomaz Carvalhal. A área de estacionamento das viaturas e do rancho dos policiais à esquerda, o primeiro prédio, de tijolinho, à direita, onde haviam duas salas que serviam eventualmente de celas (numa delas provavelmente foi feita a foto-montagem do enforcamento do Vlado) e salas administrativas as quais não tínhamos acesso.
Nos fundos, à direita na foto, o prédio de 2 andares onde ficavam as salas de tortura nos primeiros meses de funcionamento, e à esquerda da foto, o prédio da Delegacia, onde ficavam, no térreo, as celas e a principal sala de tortura, onde eram instalados o pau-de-arara e a cadeira de dragão, a partir de 1970, e, no primeiro andar, duas salas de interrogatório, onde as torturas eram mais brandas (apenas agressões físicas e choques com a pimentinha), a sala da Equipe de Análise e a sala do comandante.
À direita da foto, há um outro prédio, à direita do prédio de dois andares, parecendo um sobrado, onde, por um certo período, o Ustra morou com a mulher, Joseíta, e suas duas filhas, Patrícia e Renata.
No meio da foto, entre os dois prédios principais, um prédio térreo, onde ficava a sala do juiz de futebol, Dulcídio Wanderley Boschila, da PM, que atuava em funções burocráticas a administrativas (foto abaixo).

No térreo do prédio principal, onde funciona a Delegacia, ficava a carceragem, que tinha 7 celas, separadas por um muro. De um lado, a solitária (X0) e outras 3 celas (X1, X2 e X3). Do outro lado, mais 3 celas (X4, X5 e X6, que era a cela especial das mulheres). A carceragem era separada dos demais ambientes por uma porta de ferro. Ao lado direito dessa porta de ferro havia uma mesa onde ficavam os carcereiros. No teto do pátio, havia uma abertura.
Saindo da carceragem pela porta de ferro, à direita ficava a sala principal de tortura, com isolamento acústico e onde eram instalados o pau-de-arara e a cadeira do dragão. Uma escada levava para as salas de interrogatório do primeiro andar, onde ficavam, também, as salas do comandante e da equipe de análise.
Hoje, com as reformas, realizadas durante o governo de Luiz Antônio Fleury, as celas não existem mais. No seu lugar foram construídas salas onde funcionam órgãos da SSP. A solitária virou um almoxarifado e a sala principal de tortura um depósito de material. Essas áreas estão isoladas do resto do prédio por uma parede de drywall. O espaço aberto no teto do pátio foi reformado e tem, hoje, uma cobertura de acrílico.

Esse é o prédio (foto abaixo) onde eram realizadas as torturas na primeira fase, entre 1969 e setembro de 1970. Depois que elas passaram a ser realizadas no prédio principal da Delegacia, esse prédio virou refeitório e alojamento dos agentes, e eventualmente recebia algum preso que não pudesse ser visto ou ver os outros presos. À esquerda da foto, o prédio menor, térreo, é onde ficava a sala do Dulcídio Wanderley Boschila.

Portão principal da Rua Thomaz Carvalhal, 1030, por onde entravam as viaturas com os presos (foto abaixo).

Na entrada da Thomaz Carvalhal, ao lado do portão de ferro, por onde entravam as viaturas, há uma outra porta de ferro que dá para uma pequena sala, uma espécie de recepção, onde o Dulcídio Wanderley Boschilla atendia eventuais advogados e familiares a procura de informações e recebia semanalmente os presos em regime de menagen, que iam assinar presença. Eu fiquei quase um ano indo à essa sala assinar presença quase todas as semanas (foto abaixo).

Entrada atual da Delegacia. Aos fundos, à direita da foto, vê-se o prédio utilizado para as torturas, entre 1969 e 1970. Na época, havia um muro, impedindo o acesso à esse prédio pela Rua Tutóia. Só se acessava o DOI-CODI pela Rua Thomaz Carvalhal (foto abaixo).

Moacyr Oliveira Filho é jornalista, foi preso pelo DOI-CODI em 8 de maio de 1972, foi colaborador voluntário da Comissão Nacional da Verdade, em 2012/2013, quando participou de 4 diligências no DOI-CODI, ajudando a reconstituir sua arquitetura original, descaracterizada por várias reformas.
Publicado originalmente no blog do Renato Rabelo