Construir Resistência
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Ministro decorativo

Por Sonia Castro Lopes

 

Sob o atual governo, a educação já teve três ministros – na verdade quatro, pois Carlos Decotelli foi nomeado, mas não chegou a tomar posse. Os dois primeiros – Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub – totalmente incompetentes e alinhados às alas radicais do bolsonarismo, como bem demonstrou Weintraub em seus ataques ferozes ao STF na sinistra reunião ministerial de abril do ano passado que veio a público por decisão do ministro Celso de Mello. Mas nenhum deles talvez tenha sido tão omisso quanto Milton Ribeiro que responde atualmente pela pasta.

 

Sua atuação limita-se a acompanhar o presidente nas inaugurações das escolas cívico-militares e dar declarações estapafúrdias sobre questões de gênero, orientação sexual, ensino domiciliar e outros tantos retrocessos que compartilha com a ministra Damares Alves, responsável pelo ministério da mulher, da família e dos direitos humanos. Aliás, o número de vezes que o ministério de Damares se imiscuiu em assuntos educacionais já ultrapassou o bom senso. Os dois são evangélicos e fazem parte de uma das facções (a palavra é boa) mais radicais de apoiadores do governo. Ela pastora evangélica, ele pastor da igreja presbiteriana, ambos comungam das mesmas idéias sobre infância, família e educação, haja vista o projeto de ensino domiciliar totalmente anacrônico que vai sendo desenvolvido com a ‘cumplicidade’ dos dois ministérios.

 

O ministro dá declarações rasas, totalmente desprovidas de argumentos baseados em pesquisas, como a que afirmou há pouco em relação a portadores de diploma de cursos superiores que ganham a vida como motoristas de aplicativos por não se engajarem no mercado de trabalho. Repete sempre o mesmo chavão, puro senso comum. Ora, vá estudar, senhor ministro. Aproprie-se de pesquisas e estatísticas (ops, esqueci que o governo não se interessa nem em realizar o Censo) que demonstram ser a extensão dos estudos ao nível superior um dos fatores que geram mais oportunidades de emprego, notadamente num país com poucas ofertas de ensino como o nosso. Saudosista, argumenta que a educação brasileira encontra-se em crise por adotar métodos de ensino baseado em pensadores de “esquerda.”

 

É preciso recordar a esses saudosistas que o golpe dado na educação pública do país ocorreu justamente no período da ditadura civil-militar, momento histórico ao qual costumam atribuir tantos créditos. Como enuncia o professor Luiz Antonio Cunha, (1) o golpe de 1964 provocou demissões e aposentadorias compulsórias dos mais eminentes professores universitários, cabendo a alunos recém saídos dos cursos de graduação a função de substituí-los. Cursos de licenciatura plena passaram a conviver com os de licenciatura curta de dois anos nos quais se diplomavam docentes para atuar nas séries finais do primeiro grau (naquela altura 5ª a 8ª série). Defensores do privatismo realizaram a desmontagem do ensino público através do aumento de recursos para o setor privado sob formas de bolsas de estudo ou abolição de impostos. No ensino superior houve escandalosa acumulação de capital por parte das faculdades particulares justamente nas décadas de 1970-80. É fácil concluir que os cursos de formação de professores foram os mais afetados, com reflexos diretos na base do sistema educacional.

 

Para culminar veio à tona agora, por meio de uma denúncia do ex- presidente do INEP, Alexandre Lopes, demitido em fevereiro último, mais um escândalo sobre o Enem. Diz ele que o ministro sequer quis recebê-lo para discutir questões relativas ao exame. Como sabemos, o Enem de 2020 realizado em janeiro último foi um verdadeiro fracasso, com a taxa de abstenção mais alta de toda a história da prova. Segundo Lopes, o ministro fugiu do Enem, não participou da preparação, não providenciou contratação de pessoal para a Comissão Técnica de Avaliação (CTA) e sequer batalhou para aumentar o orçamento necessário para a realização de um exame dessa natureza. O orçamento destinado ao Enem foi de R$ 200 milhões, quando seriam necessários R$700 milhões para que tudo saísse a contento e por isso corremos sério risco de não haver exame no próximo ano. Totalmente omisso em todas as fases do Enem, passou a responsabilizar o ex-presidente do Inep pelos problemas ocorridos, que acabou demitido.

 

Estamos mal na saúde, no campo educacional, no setor econômico, sempre à mercê de um governo que só contrata para assessorá-lo apoiadores de suas idéias e obedientes ao seu comando. Milton Ribeiro é o exemplo de um ministro decorativo que só aparece em fotos ao lado do presidente inaugurando obras dispendiosas como as escolas cívico-militares, cujos investimentos poderiam ajudar na recuperação da rede escolar pública do país. Sempre simpático e aparentemente polido no trato pessoal, não podemos nos esquecer da sua recomendação de castigos físicos para crianças e de suas falas preconceituosas sobre questões de família, costumes ou orientação sexual. Como tudo nesse governo, estamos diante de mais um ministro “fake.” Ou, talvez, a omissão faça parte do projeto de desconstruir o que já havíamos avançado em matéria de educação para que tudo “continue como antes no quartel de Abrantes.”

 

Nota da autora

(1) CUNHA, Luiz Antonio. & GOIS, Moacyr de. O golpe na educação. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

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